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Astro de Harvard quer SP em classe global

Professor que virou celebridade com série na web discute limite moral do mercado em livro e dá palestra na capital

Por Sergio Pompeu
Atualização:

É moralmente aceitável que um preso pague US$ 90 em Santa Ana, Califórnia, para ficar numa cela particular? Ou que casais americanos contratem serviços de mulheres dispostas a servir de barriga de aluguel na Índia por US$ 8 mil, menos de um terço do preço cobrado nos Estados Unidos? Tudo na vida deve ter um preço?

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Esses e outros questionamentos são a matéria-prima de O que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado (Editora Civilização Brasileira), do filósofo político Michael Sandel, professor de Harvard que se tornou celebridade mundial com a série de aulas Justice, divulgada na TV e na internet. Em visita a São Paulo, onde dará conferência hoje no Auditório Elis Regina organizada pela consultoria Amana Key, Sandel fala da necessidade de debater o verdadeiro papel dos mercados nas sociedades modernas. E diz que incluirá São Paulo em seu novo projeto, que prevê dar aulas em tempo real a alunos espalhados por diferentes países:

Na série Justice, o sr. liderou um debate sobre o antigo modelo de alistamento adotado nos EUA, em que ricos pagavam para que outros prestassem o serviço militar no seu lugar, e o atual, que permite a jovens como seus alunos frequentar Harvard enquanto profissionais lutam no Afeganistão e no Iraque. No novo livro o sr. volta ao assunto. Isso é reflexo da mercantilização da vida privada?

O fato é que funcionários de empresas que visam lucro foram contratados na gestão Bush como complemento às tropas no Iraque e no Afeganistão. Hoje há mais mão de obra militar privada do que tropas nas bases nesses dois países. E o público americano nunca discutiu se queria terceirizar a guerra. Esse é um exemplo que uso no livro para ilustrar como, nas últimas três décadas, mecanismos e valores de mercado se infiltraram em esferas tradicionalmente guiadas por outros valores - cívicos, no caso do serviço militar. Isso aconteceu na segurança nacional, mas também na educação, saúde, no cotidiano das pessoas comuns. Espero com o livro inspirar um debate sobre em quais aspectos mercados servem ao bem público e onde não faz sentido a presença deles. O livro não é um libelo contra os mercados, mas argumenta que é preciso colocá-los no seu devido lugar.

Justice transformou o senhor numa celebridade global - seu admirador Thomas Friedman, articulista do The New York Times, escreveu sobre o frenesi provocado pelas suas visitas à Ásia, por exemplo. Como está sendo a recepção ao novo livro?

A divulgação começou há alguns meses nos Estados Unidos. Tem sido fascinante ouvir plateias em diferentes partes do mundo debater o papel do mercado. Já faz alguns anos que a crise financeira eclodiu. Dada a extensão da crise, acreditava-se que ela sepultaria a era de triunfalismo do mercado. A maioria das pessoas se deu conta de que os mercados tinham descolado das questões morais e precisávamos ter um debate público sobre como reconectar essas duas coisas. O surpreendente para mim é que isso ainda não aconteceu. Acho que o público está ansioso para discutir o papel dos mercados numa democracia moderna.

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Onde a reação foi mais entusiasmada?

Já estive em 24 cidades de 4 continentes. Em Seul, pude interagir com 14 mil pessoas num anfiteatro a céu aberto. Falando agora como professor, meu próximo objetivo é criar uma classe global. Já fizemos testes. A ideia é conectar, via tecnologia, alunos de quatro a seis países à minha classe em Harvard. Vamos usar telas nas quais os estudantes podem ver a mim e também ver uns aos outros. A ideia é ter uma classe em tempo real com a participação de estudantes em cidades como Délhi, Xangai, Tóquio e São Paulo.

Como foi o processo de testes?

A NHK, TV pública japonesa, apoiou o projeto. Fizemos uma série de seis aulas globais nos últimos 18 meses, com a participação de estudantes em Tóquio, Xangai e Boston, 8 em cada cidade. Funcionou, mesmo com tradução simultânea. Em cada aula abordei uma questão: a distância entre ricos e pobres, limites morais na resposta ao terrorismo e questionamentos éticos ligados às Olimpíadas, como meios de melhorar performance com a ajuda de drogas e modificações genéticas.

E quando o projeto começa?

Queremos usar as classes globais neste semestre, adaptando quatro ou cinco aulas do curso de Harvard. A ideia é ter 20 estudantes por sala, com universitários da Índia, China, Japão, do Brasil e, talvez, de algum país europeu.

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