Ata do STF sobre anencefalia gera dúvida

Versão parcial da decisão do Supremo publicada no 'Diário Oficial' não define a partir de quando gestante poderá abortar legalmente

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Por Fernanda Bassette
Atualização:

O Diário Oficial da União publicou ontem uma versão parcial da ata com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que liberou o aborto de fetos anencéfalos. No mesmo dia, o site do STF publicou a versão completa do documento, o que gerou dúvidas sobre o início da validade da decisão.Procurado, o STF não explicou o motivo da publicação parcial e afirmou que o texto completo deverá ser publicado no Diário Oficial, semana que vem. A publicação é importante porque marca o início da permissão do aborto dos fetos anencéfalos no País - no entendimento do STF, a decisão passa a valer a partir da publicação da ata no Diário Oficial.Na prática, significa que, com a ata em mãos, uma mulher grávida de um anencéfalo poderá ir a um centro de referência e pedir para tirar o bebê. Ela terá o respaldo da publicação da ata no Diário Oficial. Há, no entanto, juristas que defendem que a decisão só vale a partir da data de publicação do acórdão, o texto com a íntegra da sentença.Para o advogado Luís Roberto Barroso, professor de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor da ação que pediu a liberação do aborto nesses casos, a decisão deve ser cumprida imediatamente e independe de publicação oficial."O artigo 10 da lei da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) determina o imediato cumprimento da decisão. Neste caso, sequer é necessário aguardar a publicação da ata. Isso do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista moral, quem sofre tem pressa e não pode ser torturado pela burocracia. Ninguém tem dúvida do que foi decidido", afirmou Barroso.Pernambuco. No Recife, uma mulher grávida de 4 meses tentou realizar o aborto de um bebê anencéfalo um dia após a decisão do Supremo ser anunciada. O hospital se recusou a fazer a cirurgia, alegando que era preciso esperar a publicação oficial, conforme revelou o Estado.Sem alternativa, ela teve de recorrer ao Judiciário e entrar com uma ação pedindo formalmente para um juiz autorizá-la a interromper a gestação. Ela entrou com o pedido na tarde de quarta-feira, mas o processo só chegou às mãos do juiz ontem à tarde. Assim, segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o magistrado só vai se manifestar sobre o caso na próxima semana.Na opinião do advogado, o hospital que se recusar fazer o aborto em mãe estará descumprindo uma decisão do Supremo. Ele diz que as unidades devem seguir o protocolo médico que já existe para esses casos - diagnóstico e encaminhamento para centro de referência -, com a diferença de que não é mais necessário ter uma autorização judicial para a realização do aborto. "É uma covardia jogar essa mulher numa batalha judicial de novo", disse Barroso.O Conselho Federal de Medicina (CFM) formou uma comissão de especialistas para definir um protocolo específico para atendimento dessas gestantes. "Enquanto não houver uma norma nova, a decisão do Supremo é de que não é preciso ter decisão judicial para realizar o procedimento. O direito não pode ser um mundo de papel dissociado da realidade. Estamos falando de vida, de sofrimento."

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