Até onde dá para aguentar papo sobre futebol?

Febre futebolística reacende debate sobre etiqueta em locais de trabalho para respeitar os que não tem interesse no assunto.

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Por Vanessa Barford
Atualização:

Milhões de torcedores da Inglaterra estão celebrando a classificação da seleção do país para as quartas de final da Euro 2012. O que não falta nos bares, escritórios e outros locais de trabalho são pessoas querendo falar a respeito dos jogos e dos resultados, muitas vezes obrigando colegas ou outras pessoas presentes a serem obrigadas a suportar conversas sobre gols, cobranças de falta e posse de bola. Uma pesquisa realizada na Grã-Bretanha em maio indica que 56% da população do país se dizem ''não interessadas'' por futebol. Destas, 37% se consideram ''nem um pouco interessadas'' e 19% se dizem ''não muito interessadas''. Fica claro que em cada escritório, um considerável número de pessoas pode até tolerar um bolão, mas dificilmente tem interesse algum em papo sobre futebol. Quais são os limites? A partir de que momento essa conversa se torna chato, excessiva ou mesmo grosseira? O especialista em etiqueta Simon Fanshawe, que não é um apreciador de futebol, diz não suportar a forma com que torcedores do esporte concluem que outros entendem ou mesmo se importam com futebol. ''Pode ser algo realmente grosseiro. As pessoas tendem a não se dar ao trabalho de explicar ou de perguntar se outros estão interessados antes de começar a falar a respeito. É como tentar alcançar o sal ou a manteiga do outro lado da mesa sem pedir que alguém os passe'', compara Fanshawe. Plateia cativa O jornalista do diário Evening Standard, Sam Leith, afirma que tudo também depende se a pessoa que está falando conta com uma plateia cativa. ''Se for o chefe falando de futebol durante uma reunião de trabalho, ou um guia de viagem dentro de um ônibus para turistas ou um apresentador de rádio, pode ser algo um pouco grosseiro. Mas é, antes de mais nada, profundamente tedioso'', comenta o jornalista. Mas, afirma Fanshawe, existe uma solução fácil para torcedores que se preocupam em incomodar colegas ou amigos. ''É como qualquer outra conversa. Se você quer envolver as pessoas, a palavra chave é envolver - descobrir se as pessoas estão ou não interessadas'', afirma. O apresentador esportivo Jim White diz que às vezes ele se sente pouco à vontade de falar sobre futebol em público, dado o quão sensíveis as pessoas às vezes se sentem a respeito do tema. ''É como nas vezes em que um médico está participando um jantar e todos começam a falar com ele a respeito de seus sintomas. As pessoas me abordam para falar sobre futebol. Me preocupo que vou chatear os demais, por isso tento mudar de assunto rapidamente, para algo menos polêmico, como religião ou política'', brinca White. Seleção x time Conversas a respeito de futebol se tornam mais inclusivas quando um país está envolvido, em vez de apenas um clube, comenta White. Mas ele afirma que há certos temas que o seguidor ocasional de futebol pode se sentir mais propenso a ter opinião a respeito. ''O bandeirinha que não marcou o gol da Ucrânia (contra a Inglaterra) por exemplo, é algo que transcende entender ou não de futebol. É um tema que diz respeito à justiça natural'', afirma, em menção à um gol feito pela Ucrânia, mas que acabou não sendo marcada, selando assim, a sorte da equipe ucraniana e assegurando a classificação da Inglaterra. Mas temas como se jogador ''x'' ou ''y'' atuaram bem ou mal ou se um determinado goleiro tem talento, são temas, na opinião de White, muito distantes para quem não entende de futebol. White acredita que a regra do impedimento e suas tecnicalidades também são um assunto árido demais e pouco aceitável em uma conversa educada, sem compromissos, sobre futebol. Ele afirma que inúmeras pessoas estarão interessadas, por exemplo, no jogo entre a Grécia e a Alemanha - e ao lado de quem a chanceler alemã, Angela Merkel, se sentará durante a partida - por conta da atual tensão entre gregos e alemães em vista da crise na Grécia e das medidas de austeridades defendidas por Berlim. E hoje em dia o futebol pode ser o ponto de partida para conversas sobre os temas mais variados, desde transplantes de cabelo - vide o do jogador da Inglaterra Wayne Rooney - até cirurgia plástica, afirma o apresentador. Mudança de perfil Está muito longe do que se passou nos anos 80, quando o hooliganismo no futebol era farto e o esporte não era considerado um tema de conversas refinadas. Mas houve uma série de coisas que contribuíram para mudar a imagem do esporte na Grã-Bretanha e fazer com que ele se tornasse um tema corrente em rodas de conversa. Entre elas está a imposição de que os torcedores passem a assisitir sentados os jogos nos estádios de futebol, a transmissão de partidas pela emissora de TV paga Sky Sports e a mudança do perfil de torcedores. A conquista da quarta colocação na Copa do Mundo de 1990, o fato de a Inglaterra ter sediado a versão de 1996 da Eurocopa ajudaram a conferir um perfil mais elevado ao futebol no país. ''O futebol saiu da última página dos jornais para a página principal. Antes, ele não fazia parte da vida diária. Ele ainda não contava com os elementos de novela, como as namoradas e esposas de jogadores e o dinheiro'', afirma Jim White. ''E nunca, em um milhão de anos, teríamos imaginado ver (o premiê britânico) David Cameron celebrar a conquista do Chelsea na Liga dos Campeões ao lado de Angela Merkel e a maneira como a coisa foi encenada de forma a assegurar que ele estivesse associado ao sucesso do clube. Margaret Thatcher jamais procurou se associar ao futebol'', diz o comentarista esportivo. 'Babuínos' Ele comenta que o progresso social do futebol foi selado quando, recentemente, o jogador Fabrice Muamba teve um ataque cardíaco durante uma partida de sua equipe, o Tottenham, e o primeiro torcedor a atendê-lo foi um cardiologista do hospital especializado London Chest Hospital, que estava assistindo à partida no estádio. ''Nos anos 80, alguém com esse perfil jamais estaria vendo um jogo de futebol''. Mas o perito em etiqueta Fanshawe ainda não se sente seduzido pelo esporte. Ele comenta que os fãs de futebol ''dominam por completo os espaços públicos. Gritando tal qual babuínos do sexo masculino durante as partidas''. ''Existe uma percepção de que esse tipo de comportamento é inteiramente aceitável, que as pessoas não irão reclamar", comenta. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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