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Atenção, torpedos a bombordo!

Sei que a moda chegou ao Brasil. A do texting. Que traduzimos, com nossa ginga e veneno, por torpedo. Ou melhor, mandar torpedos.

Por Ivan Lessa
Atualização:

Sei que a moda chegou ao Brasil. A do texting. Que traduzimos, com nossa ginga e veneno, por torpedo. Ou melhor, mandar torpedos. Mandar torpedo, um pouco antes de minha época, era o que os submarinos alemães faziam com nossos navios da marinha mercante até decidirmos finalmente entrar na guerra e no lado certo. Mas antes disso, morreu mais gente no mar do que pracinha lutando em solo italiano. A cobra fumou. Os peixes haviam comido. Mais tarde, em época de relativa paz, ao menos nas noites cariocas, mandar torpedo era quando se enviava um bilhetinho para uma moça que chamara a atenção de um indivíduo e este, cavalheirescamente, mediante os préstimos do garçom, enviava um bilhetinho dizendo qualquer tolice assim feito, "Sou aquele rapaz sentado na mesa à sua direita. Teria imenso prazer em conhecê-la melhor. Permite-me uma aproximação com o fito, por ora, de dançarmos uma ou duas músicas na pista?" Ou besteira que o valha. E, com sorte, bailavam os dois ao som de Trini Lopez cantando If I Had a Hammer. Fica aí o dado sociológico. Passemos à atualidade social de nossos dias. Torpedos Raus! Texting. Sim, concordo. "Textar" é de arrebentar os ouvidos, mesmo de um povo que já aceitou e incorporou o "deletar" e o "printar". Parabéns a quem primeiro empregou o verbo para se referir às mensagens enviadas por celular. Espero que seja alguém que, como eu, tenha frequentado as mesmas buates de outrora: Jirau, Sacha´s, Au Bom Gourmet. Não interessa o conteúdo, que este nunca poderá ser interessante. Basta dar um nome razoável, cheirando, levemente, às noites de outrora e aos pobres marinheiros dos anos 40 morrendo afogados. Perdão por juntar uma imagem simpática a uma horrenda. De tais contrastes somos feitos. Nossa língua presta. Já prestou, inclusive, mais. Agora não tem como - e eu vou na tradução que não pegou - "textar" em celular. Textar é com o idioma de Shakespeare. Presta-se. Muito. Por falar no bardo de Avon, o to be or not to be viraria, como já cansou de virar, 2b or not 2b. A moda é o texting. Aqui virou problema sério de saúde. Nada a ver com a lenda urbana das radiações. Não. É que as pessoas vão andando pela rua e mandando seus - vá lá que seja - torpedinhos. Daí batem com as fuças no poste, na parede, na senhora empurrando o carrinho com o bebê. O diabo, enfim. Pior, só mesmo falar no celular. Falar prestes a morrer, conforme quer um comercial muito badalado de televisão alertando para os perigos de se usar o celular e dirigir: batida, sangue, sirene de ambulância. Com sorte, só hospital. Os "torpedos" (não consigo evitar as mau humoradas aspas) começam a colecionar vítimas, conforme explicitei algumas linhas acima. Em consequência, certas medidas foram adotadas. Vejamos quais. 4U 4U. Os brasileiros aqui gostam muito de 4U. Sempre entregam em inglês para alguém essa pequena e perigosa ogiva. Parece número de submarino. Não sei quantos brasileiros estavam agindo 4U dos 68 mil casos de gente que interfaced (interfaceou?) com postes e muros londrinos no ano de 2007. Andar e mandar torpedo não dá. Provou-se. Sérias medidas sérias deverão ser adotadas. Para evitar mais cortes e contusões, narizes quebrados e fraturas cranianas várias. Pesquisas fidedignas afirmam que 44% dos londrinos são a favor de se proteger a paisagem urbana (os malditos postes etc.) com alcochoados. A besteira não pára aí. 27% das pessoas são a favor de se criar uma espécie de "torpedovia", ou "textovia", à maneira das ciclovias, para que uma figurinha armada de celular possa enviar suas mensagens importantíssimas (4U?) livres dos perigos que as ruas, com seus perigosos objetos irremovíveis, oferecem ao cidadão informatizado. Se informatizar inclui o 4U. Conclusão 4U. 4U. 4U. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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