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Brasil quer Irã em acordo nuclear

Sob pena de ver sua imagem prejudicada no cenário externo, Lula busca hoje gesto adicional de Ahmadinejad

Por Denise Chrispim Marin
Atualização:

O governo Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará hoje o mais intrincado desafio da sua política externa. Ao receber em Brasília o polêmico Mahmoud Ahmadinejad, Lula estará diante da missão de convencer o presidente do Irã a concordar com os termos do acordo de Viena e, com isso, pôr fim à atual controvérsia na área nuclear. Mas, igualmente, Lula se moverá sob o risco de ver sua imagem pessoal e a de seu governo chamuscadas diante da comunidade internacional por sua cortesia.Para seu encontro com Ahmadinejad, no Itamaraty, Lula tem seu discurso na ponta língua. Orientado pelo Itamaraty, o presidente vai reiterar que o Brasil reconhece o direito de o Irã desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos. Mas recomendará a Teerã investir na reconquista de sua confiança e indicará que, para isso, será preciso fazer um gesto adicional.O Brasil acompanha com interesse a evolução do caso do Irã na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em especial, porque teme que a proibição ao enriquecimento de urânio no Irã, defendida pelas potências nucleares, possa vir a se estender ao Brasil no futuro, mesmo com as garantias do fim pacífico do programa brasileiro. Para o Itamaraty, a única saída para o Irã seria cumprir o acordo de Viena, que está nas mãos de um governo iraniano que ainda impõe condições e resiste em assiná-lo.O acordo dribla completamente a proibição pretendida pelos Estados Unidos, França, Inglaterra, China, Rússia e Alemanha - embora tenha sido negociado por esses mesmos países, sob a mediação da AIEA. Prevê que o Irã possa continuar com o enriquecimento de urânio até o teor de 5%. O produto final seria embarcado para a Rússia, onde seria processado até atingir o teor de 20%. Daí, seguiria para França, onde seria transformado em combustível para a planta nuclear iraniana que fabrica radiofarmacos. Essa fórmula impediria a paralisação da produção desses medicamentos em meados de 2010, quando se esgota a capacidade de produção do Irã.O acordo impede que o Irã tenha, em casa, urânio enriquecido em altos teores. Como tem pouco urânio em seu território, o país não teria condições de fabricar uma bomba atômica, explicou um técnico do governo. Mas seria também um grande negócio para o Irã, que ganharia o reconhecimento de seu direito de enriquecer urânio, completou o mesmo especialista.O presidente iraniano, entretanto, antecipou que não se deixará levar facilmente pelo argumento de Lula. Em artigo de sua autoria distribuído pela embaixada do Irã em Brasília, na última sexta-feira, Ahmadinejad afirma que há uma "polêmica injusta dos países ocidentais contra o programa nuclear iraniano" e que espera que seu país e o Brasil se aliem para vencê-la. O nó que Lula terá de desatar, a partir de hoje, é a desconfiança do governo de Ahmadinejad com relação ao futuro suprimento do combustível nuclear, depois de assinado o acordo. O Brasil está ciente que, ao resolver essa questão, o Irã perderá seu poder de barganha. Em princípio, a possibilidade de aplicação de novas sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o país é considerada nula, por causa do provável veto da China e da Rússia.De qualquer maneira, o fato de o Brasil atuar como membro não-permanente desse organismo em 2010 e 2011 será tranquilizador para Teerã. Para o governo brasileiro, as três rodadas de sanções já aplicadas não surtiram efeito. Novas medidas, como as que figuravam nas ameaças disparadas pelos Estados Unidos na semana passada, não surtiriam efeito.A tarefa do Brasil de convencer o Irã a adotar uma atitude mais pró-ativa vem acompanhada da preocupação do governo Lula de não se apresentar como "menino de recados" entre Teerã e Washington. Em julho, em paralelo à reunião de cúpula do G-8, na Itália, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu a Lula para pressionar o Irã a abandonar seu programa nuclear com fins militares. O brasileiro agarrou a missão com as duas mãos.Naquela ocasião, Ahmadinejad havia adiado sua visita, programada inicialmente para maio, mas deixara registrado seu interesse de vir ao Brasil ainda em 2009 e de receber Lula em Teerã no ano seguinte. O sucesso dessa empreitada significará, para o Itamaraty, uma vitória da diplomacia de persuasão de Lula em seu último ano de mandato. As dificuldades terão de ser vencidas dentro dos territórios dos EUA e do Irã, onde as resistências a concessões e a acordos estão solidificadas.Ahmadinejad desembarca nesta manhã em Brasília para uma visita de apenas um dia, acompanhado por um séquito de 130 funcionários e de 150 empresários. Não viajará a outros pontos do País e, em princípio, deverá respeitar a recomendação do governo brasileiro de não repetir declarações que não tenham o consenso do Brasil - como a de que o Holocausto não existiu e a de que Israel deveria ser varrido do mapa.Além dos encontros com Lula e autoridades, o iraniano deverá dar uma palestra em uma universidade e uma entrevista à imprensa. Partirá na terça.

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