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Caminhos para democratizar o conhecimento

Por Ethevaldo Siqueira
Atualização:

Começo com uma pergunta e uma provocação: por que a universidade é tão conservadora e tão preconceituosa diante de algumas inovações e tendências mundiais? Refiro-me, especificamente, à tendência do conteúdo aberto (open contents), comentada nesta coluna na semana passada, quando analisei as conclusões do Horizon Report de 2010.Ao longo da história, não tem sido fácil abrir o conteúdo das ciências, da literatura e das artes em geral. Na Idade Média, o conhecimento mais avançado da humanidade permanecia trancafiado nos mosteiros, só acessível aos iniciados e privilegiados, escribas, sacerdotes e nobres que podiam pagar os preços proibitivos dos manuscritos. A primeira revolução veio com o livro, a partir da invenção da imprensa por Gutenberg, por volta de 1455.Ao longo de mais de cinco séculos que nos separam da invenção da imprensa, a humanidade tem vivido outras revoluções tecnológicas como as da máquina a vapor, da eletricidade, do rádio, da TV e da internet. Todos esses avanços têm acelerado, de alguma forma o processo de difusão da informação. Mesmo assim, o acesso ao conhecimento continua a enfrentar barreiras inconcebíveis, inclusive na universidade, uma instituição que nasceu no século 14, exatamente com a proposta central de universalizar a cultura.Diversas instituições de renome, no entanto, começam a abrir seus conteúdos de informação e conhecimento, como é o caso, entre outras, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade da Califórnia em Berkeley. Nesta última, pude testemunhar há pouco mais de duas semanas a experiência mais ousada de abertura do conhecimento a toda a população: todas as aulas, seminários e debates de Berkeley podem ser livremente repetidos pela internet e pela TV por qualquer cidadão. Parei diante de um monitor da própria universidade, em seu refeitório, e assisti a uma aula de física que poderia ser vista ao mesmo tempo por milhões de outras pessoas nos Estados Unidos.É claro que, em menor escala, essa abertura já existe em uma centena de universidades em todo o mundo. No Brasil, entretanto, as resistências têm sido muito grandes, ora por razões puramente formais ou burocráticas, ora por simples má vontade ou inércia. Assim, a universidade brasileira tem permanecido segregada, fechada, em sua condição de redoma ou convento intelectual.CULTURAS CONTRADITÓRIASO professor Fredric Litto, criador da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Ensino à Distância (ABED), lembra que, no mundo atual, há dois ambientes culturais bem distintos e contraditórios: "Na cultura da escassez, herdada do passado, todo mundo acreditava que as coisas boas sempre vêm em quantidades pequenas - como ouro, diamantes, perfumes finos, inteligência e acesso ao conhecimento, frequentemente contidos em livros raros - disponíveis apenas para os mais ricos. Em contraposição, na cultura da abundância, que emerge nestes tempos em todo o mundo, partimos do reconhecimento de que a sociedade é rica em objetos e manifestações culturais, técnicas e científicas - ou, simplificadamente, conhecimento - e que o ato de disponibilizar amplamente o acesso a todo esse acervo complexo e dinâmico é, por um lado, uma questão de justiça, e, por outro, uma garantia maior de que as grandes decisões no futuro serão tomadas em compreensão bem informada".Para o prof. Litto, a primeira visão da cultura, a da escassez de acesso ao conhecimento, se torna inconveniente no mundo deste início de século 21: "Se você acredita na cultura da abundância, no entanto, prepare-se para uma revolução cujos resultados no longo prazo são impossíveis de enxergar com clareza". De fato, as novas tecnologias de comunicação já ultrapassam a fase do uso incipiente, que era o de apenas fazer mais rapidamente e com maior precisão as mesmas coisas que fazíamos no passado, e começam a abrir a possibilidade de realização de conquistas sociais impensáveis até há alguns anos. Talvez o aspecto mais radical e fascinante desse mar de possibilidades seja o fenômeno de abertura, que se amplia e avança em todos os sentidos.FERRAMENTASCom o incrível progresso das novas tecnologias da informação e da comunicação, dispomos das ferramentas mais eficientes para esse processo de democratização do conhecimento. Com esse arsenal de novos recursos, podemos ir muito além da simples e romântica visão de uma Universidade Aberta. A cada dia que passa, torna-se mais fácil, mais rápido e mais barato, organizar, processar, armazenar e transmitir milhões de terabytes de informação sistematizada.Imagine a potencial dos grandes portais já disponíveis sobre saúde e medicina, com conteúdo fornecido pelas melhores universidades, para orientação de cada cidadão. Essa é, aliás, a filosofia do paciente informado que se expande pelo mundo. Nos EUA, as Universidades de Harvard, MIT, Columbia, Illinois, Berkeley e Stanford se uniram para criar um portal-modelo de saúde para o grande público (http://www.medpedia.com). Visite-o, leitor.

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