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Canções que glorificam máfia preocupam autoridades italianas

'Neomelódicas' falam de mafiosos napolitanos, matadores e crimes.

Por Valquíria Rey
Atualização:

O crescimento de um fenômeno musical no sul da Itália, a das canções populares que glorificam a vida de bandidos, está causando polêmica no país e preocupando as autoridades. Conhecidas como "neomelódicas" - novas melodias -, elas copiam o estilo das velhas canções napolitanas, utilizam o dialeto local e relatam histórias de prostituição, drogas, matadores profissionais, fugitivos e tempos difíceis. "Grande parte dessas músicas traz mensagens culturais que justificam as ações do crime organizado", disse à BBC Brasil Marcello Ravveduto, autor do livro Napoli... Serenata Calibro 9, que denuncia a influência da Camorra, a versão local da máfia siciliana, na cultura napolitana. "Os 'neomelódicos' dizem que retratam a realidade, mas nenhuma de suas canções fala, por exemplo, da história dos inocentes que morreram por culpa da criminalidade", afirmou. No prefácio do livro lançado na última semana, o ministro do Interior italiano, Giuliano Amato, diz que a Camorra faz propaganda através da música. "Algumas canções são expressões da perversidade da mentalidade camorrista", afirma Amato. "Uma verdadeira cultura popular, que tende a elevar o camorrista a herói, o presidiário à vítima sacrificada e o arrependido a traidor do 'sistema'." Segundo o ministro, a indústria da música estimula e educa novas gerações ao culto dos chefes da máfia napolitana. Nos bairros marginalizados da cidade - muitos deles evitados pela polícia - foi formada "uma opinião pública que considera a Camorra um elemento natural. Onde os chefes mafiosos garantem os rendimentos e ocupação, os matadores defendem a ordem constituída, os presos são vítimas de um Estado inimigo e existem intérpretes dispostos a cantar as 'neomelódicas', porque há um público disposto a escutar", acrescenta o ministro. Canções como O Meu Amigo Camorrista, Fugitivo, Momento dizem aos jovens napolitanos que a vingança é a reafirmação de uma identidade e que fugir da Justiça é um estilo de vida. Em todas elas, o criminoso é visto como uma pessoa do bem. Os cantores 'neomelódicos', por outro lado - entre eles, o famoso Gigi D'Alessio e outros não tão conhecidos como Tommy Riccio, Nico Desideri, Lisa Castaldi e Carmelo Zappulla-, dizem que apenas cantam o que acontece ao seu redor. De acordo com eles, o ministro Amato não entende nada sobre a realidade da cidade, conhecida como a capital italiana do homicídio. "Nápoles se transformou em ponto de referência para esse mundo de cantores 'neomelódicos'", afirma Ravveduto. "Grupos sicilianos e de outras partes da Itália interpretam essas canções em dialeto napolitano, porque sabem que terão retorno. É mais ou menos o que aconteceu no período de nascimento e afirmação do rock: roqueiros do mundo inteiro achavam que só se podia cantar rock em inglês. Hoje os roqueiros cantam em italiano, português, espanhol, ou em qualquer outro idioma." Ravveduto lembra que o fenômeno neomelódico napolitano segue o exemplo dos "corridos prohibidos", estilo de música que faz sucesso na Colômbia e no México, narrando histórias de grandes traficantes e suas tentativas de exportar maconha e cocaína, o lucro fácil e rápido e confissões de crimes cometidos. Em Nápoles, junto com Ravveduto, o sociólogo Isaia Sales foi o primeiro a denunciar que as canções "neomelódicas" faziam apologia ao crime e tinham conexão com a Camorra. "Os grupos camorristas mataram mais de 3, 5 mil pessoas nos últimos 25 anos. São números de guerra civil", diz Sales. "É um sistema que conserva a ferocidade do passado, mas é, ao mesmo tempo, pós-moderno, com seus ritos, seus cultos e modelos copiados da televisão e do cinema, além dos versos das canções", disse. Muitos dos fãs das "neomelódicas", como a balconista Giada Pesavento, de 21 anos, não se importam se as canções tenham conexão com o crime organizado. "As músicas são boas. Todo mundo na minha família gosta, porque eles cantam o que nós vemos no nosso dia-a-dia", diz a jovem, que mora num bairro popular no centro de Nápoles. Já Ravveduto classifica o fenômeno como globalização da marginalidade. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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