Caneta que emite laser pode causar cegueira

Intensidade do feixe de luz passou de 5 para 300 mW em apenas uma década

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Por Alexandre Gonçalves
Atualização:

Dispositivos portáteis que emitem raios laser podem causar danos graves à visão. Usados tradicionalmente por palestrantes para apontar detalhes em projeções, tornaram-se um brinquedo popular nos últimos anos. Estudo publicado na principal revista médica do mundo descreve os principais danos causados pela caneta laser à visão.Um garoto suíço de 15 anos resolveu brincar com o laser que comprara pela internet. O feixe tinha potência de 150 miliWatts (mW), o suficiente para estourar balões e fazer pequenos furos no tênis da irmã. Há vídeos na internet que ensinam a fazer isso.Um dia, ele resolveu brincar com os reflexos do laser em um espelho. Várias vezes o feixe acertou seus olhos. De forma instantânea, notou que a visão ficou embaçada, mas ficou com medo de contar para os pais. Demorou duas semanas para procurar ajuda. A visão piorou tanto que ele não conseguia contar os dedos de uma mão a uma distância maior que um metro.Os médicos diagnosticaram uma grave hemorragia embaixo da retina esquerda e várias cicatrizes no epitélio pigmentar do olho direito. Quatro meses após o acidente, a visão ainda apresentava sérias limitações apesar do tratamento.O apontador laser responsável pelo acidente descrito no The New England Journal of Medicine pode ser adquirido na internet por menos de R$ 60.Evolução. Há uma década, a intensidade do feixe de luz - normalmente de cor vermelha - não ultrapassava 5 mW e, por isso, apresentava poucos riscos. Hoje, existem dispositivos, principalmente de luz verde, que chegam facilmente aos 300 mW. Os autores sublinham que "nem donos nem vítimas conseguem diferenciar um laser inocente de um laser perigoso". "É provável que vejamos mais acidentes graves em um futuro próximo", preveem.A potência dos novos modelos impressiona. Seu alcance atinge facilmente alguns quilômetros e a intensidade é tão vigorosa que o percurso da luz aparece com nitidez, não só o ponto brilhante no fim do feixe. Fica fácil entender por que adolescentes se encantam com a aparência de "sabre de luz" do dispositivo.O uso de lasers que podem ameaçar o olho normalmente é restrito a ambientes profissionais e militares. "Na potência adequada, ele não será lesivo para os olhos, mas não há controle. Não existe nem uma regulamentação da Anvisa", diz o oftalmologista Virgílio Centurion, do Instituto de Moléstias Oculares. Centurion explica que o laser pode atravessar a córnea e o cristalino e chegar até a retina. "Se ele cair no centro da mácula (ponto junto à retina que concentra as células responsáveis pela visão em cores), o calor produzido provoca uma queimadura com reação inflamatória muito grande. O paciente pode perder a visão central", explica.Jogo sujo. As canetas laser também se tornaram artefatos comuns em campos de futebol. Utilizadas pela torcida para confundir goleiros e juízes, já renderam uma punição baseada no Estatuto do Torcedor.Na final da Copa do Brasil, no dia 5 de junho, em Curitiba, as câmeras de TV flagraram um torcedor do Coritiba que tentava atrapalhar o desempenho do goleiro do Vasco. Policiais militares identificaram o autor dos feixes e o levaram para o tribunal do torcedor organizado no estádio.Ele admitiu a conduta pouco esportiva. Foi da promotora Cristina Corso Ruaro, que integrava o tribunal, a ideia da punição: o torcedor deveria prestar 16 horas de serviços comunitários. Mas deveria cumprir a pena durante jogos importantes do seu time. "Foi um ato de violência. Muitas vezes, utilizam essas canetas para atiçar os torcedores do time adversário", afirma Cristina. / COLABOROU MARIANA LENHAROIncidentes em 201121 relatos de incidentes com laser ocorreram no Aeroporto de Vitória (ES), que lidera o ranking11 notificações chegaram do Aeroporto de Londrina (PR), o segundo no rankingPARA LEMBRARFeixe também prejudica voosBrincadeiras com canetas laser em aeroportos também se tornaram comuns. Os feixes são direcionados para a cabine dos pilotos.Segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), o número de incidentes notificados neste ano chegou a 106. No ano passado, foram 60. "Notamos um claro aumento nos últimos anos e uma popularização desses instrumentos", afirma o major-aviador Márcio Vieira de Mattos, do Cenipa."Você perde a visão durante alguns instantes", explica o comandante Carlos Camacho, do Sindicato Nacional dos Aeronautas. "E justamente no momento mais crítico: o pouso." A legislação brasileira prevê penas de dois a cinco anos de prisão para quem atentar contra a segurança aérea. Em caso de acidente, a punição pode chegar a 12 anos de cadeia.

 

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