Cisne Negro, com beleza e inovação

Das quatro obras apresentadas no fim de semana, é a nova Abacadá que remete aos melhores momentos da companhia

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Por Crítica Helena Katz
Atualização:

O novo espetáculo do Cisne Negro, estreado no último final de semana no Auditório Ibirapuera, permite uma reflexão sobre o seu modo de existir, que é o de uma companhia sem coreógrafo-residente. A questão está estampada no programa que foi organizado, e que se divide em duas partes. A primeira concentra três obras de seu repertório, cada qual de uma década da sua trajetória: Lamento do Cisne, de Gigi Caciuleanu (1992), Sabiá, de Vasco Wellemcamp (1988), e Reflexo no Espelho, de Patrick Delcroix (2004). Na segunda, apresenta a sua nova produção, Abacadá, com música criada por André Mehmari.Uma companhia sem coreógrafo-residente depende das escolhas de sua direção artística em torno das obras que decide comprar para formar o seu repertório. É esta coleção de coreografias que vai lhe conferir um perfil e, por abrigar produções assinadas por criadores distintos, vai trazer ao grupo uma dificuldade conjuntural: a de necessitar preservar a singularidade de cada uma das produções sem poder contar com a troca constante com os seus autores, de modo a garantir os ajustes sempre necessários antes da sua apresentação.Com o passar do tempo, a tendência a dançar tudo da mesma maneira torna-se quase inevitável, com consequências artísticas tão importantes que levam a pensar no que se faz necessário para garantir a sobrevivência desse modelo de companhia. Criado em 1977 por Hulda Bittencourt, sua diretora artística ao longo destes 32 anos, o Cisne Negro vem se adaptando às dificuldades trazidas pela política de editais que regula o financiamento à cultura em nosso país. Evidentemente, a instabilidade produzida por tal situação compromete o seu projeto artístico.Felizmente, o Cisne Negro vem enfrentando essa ameaça sem interromper as suas atividades, o que revela a força do seu comprometimento com a dança. Todavia, no programa que acaba de estrear, algumas consequências da dupla articulação entre suas escolhas artísticas e a inadequação do financiamento para a área da dança no nosso país ficaram mais aparentes do que seria recomendável no seu modo de dançar. Aquilo que distingue as escritas coreográficas de Gigi Caciuleanu, Vasco Wellemcamp e Patrick Delcroix desapareceu debaixo de algo que se sobrepõe: uma obediência à sequência dos passos que não burila o que precisa vir junto com a realização do passo.Contudo, a identificação desse traço necessita ser vinculada à situação que vem impedindo a companhia de conseguir manter a sua característica de construtora de elencos fortes porque, em dança, isso depende da possibilidade de se assegurar um convívio ao longo do tempo e também de ajustes muito finos entre as aulas diárias e as obras dançadas a cada temporada - ou seja, de uma combinação entre possibilidades orçamentárias e prioridades artísticas.Onde isso pode ser melhor detectado é justamente a nova criação, a mais bem dançada do espetáculo. Abacadá é um rondó criado por André Mehmari, que tem direção coreográfica de Dany Bittencourt. As partes do meio, B e C, se dedicam aos improvisos coreográficos dos bailarinos, em diálogo com a primeira e a última, o A e o D, respectivamente. Abacadá, o título, vem justamente dessa sequência de letras - A, B, C e D -, e nela, os bailarinos do Cisne Negro explicitam qual a dança que lhes interessa. São desenhos de movimento que remetem a uma compilação dos melhores momentos daquilo com o que trabalham, confirmando, nas suas contribuições pessoais, o entendimento de dança como o de uma arrumação de passos. Hulda Bittencourt nunca se cansou de explicar que o Cisne Negro tem como objetivo formar novas plateias e, para tal, aposta no equilíbrio entre inovação e beleza. Uma consulta ao repertório que vem montando atesta seu interesse por obras de comunicação mais direta, danças que também precisam ter seu espaço garantido, de modo a preservar a diversidade indispensável ao desenvolvimento de qualquer campo artístico. No momento, é esse tipo de dança, geralmente baseado na combinação entre música e passo, que pede ajustes justamente para continuar a ser capaz de produzir essa diversidade.

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