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Como controlar a caquexia

Por Fernando Reinach
Atualização:

Quando uma pessoa perde peso rapidamente e essa perda não pode ser revertida por um aumento na quantidade de calorias ingeridas, os médicos dizem que a pessoa sofre de caquexia. A caquexia aparece associada a diversas doenças pulmonares, renais, cardíacas ou mesmo infecciosas, como no caso de pacientes com aids.Mas o mais comum são os casos de caquexia causados por câncer, principalmente os do trato digestivo. Quando observamos uma pessoa com caquexia, imaginamos que ela não esteja conseguindo se alimentar ou que a doença está afetando o aproveitamento do alimento, mas não é o caso.O mecanismo que causa a caquexia ainda não é totalmente conhecido, mas tudo indica que substâncias como o TNF (tumor necrosis fator), secretadas pelo tumor, agem sobre o tecido gorduroso e músculos, induzindo um processo de autodestruição rápido e difícil de controlar. O controle da caquexia é importante. Em pacientes com câncer, a fraqueza provocada pela caquexia muitas vezes impede o tratamento. Quando não é a causa imediata da morte, a perda de peso facilita o aparecimento de outros problemas, que acabam por causar a morte do paciente. Agora, cientistas conseguiram bloquear o processo.Na caquexia, a perda de peso ocorre porque a gota de gordura que existe em cada uma das células gordurosas é rapidamente degradada, sem que a célula do tecido gorduroso morra. Isso faz com que os componentes da gordura apareçam no sangue. Numa segunda etapa, ocorre um processo de autodestruição dos músculos. O resultado é aparência de "pele e osso" do paciente.Os cientistas tentaram impedir a degradação da gordura, bloqueando a atividade das duas principais enzimas que destroem a gordura. Para tanto, construíram duas linhagens de camundongos transgênicos, nos quais os genes para cada uma dessas enzimas haviam sido removidos.Três grupos de camundongos, um normal, outro sem o gene ATGL (adipose triglyceride lipase) e um terceiro sem o gene da HSL (hormone sensitive lipase), foram injetados com dois tipos de células tumorais, uma originada de um tumor de pulmão (LLC) e outra, de um melanoma (B16). Após três semanas, como esperado, todos os camundongos apresentavam tumores do mesmo tamanho, demonstrando que a remoção dos genes de lipases não dificultava ou facilitava o crescimento dos tumores.Mas o resultado impressionante foi o observado no peso dos animais. Enquanto os camundongos normais apresentavam caquexia, tendo perdido grande parte de sua massa corporal, os camundongos sem o gene da ATGL não haviam perdido peso e não apresentavam caquexia. Nos camundongos sem os gene da HSL, a caquexia podia ser observada, mas muito reduzida quando comparada à presente nos animais normais. O interessante é que, nos animais transgênicos, a degradação do tecido muscular também foi bloqueada.Esse resultado demonstra que a ativação dessas duas enzimas deve ser a etapa final no processo de caquexia. A caquexia é, provavelmente, desencadeada pelas substâncias secretadas pelo tumor que, de alguma forma ainda desconhecida, ativam as enzimas que degradam a gordura.Animados com o resultado, os cientistas mediram a atividade dessas enzimas em pacientes com câncer e diferentes níveis de caquexia. O resultado foi exatamente o esperado: quanto maior o grau de caquexia, maior a atividade dessas enzimas.Essa descoberta abre a possibilidade de se utilizar inibidores dessas enzimas para controlar a caquexia em pacientes com câncer. Drogas capazes de inibir essas enzimas já existem, mas ainda não foram testadas no controle da caquexia. A possibilidade de controlá-la permitirá que os pacientes mantenham por mais tempo sua massa corporal e, portanto, possam suportar melhor os tratamentos quimioterápicos. Na batalha contra o câncer, são pequenas vitórias como esta que permitem vislumbrar um cenário em que, mesmo sem termos derrotado o tumor, seremos capazes de controlar sua progressão por períodos cada vez mais longos.BIÓLOGOMAIS INFORMAÇÕES: ADIPOSE TRIGLYCERIDE LIPASE CONTRIBUTES TO CANCER-ASSOCIATED CACHEXIA. SCIENCE, VOL. 333, PÁG 233

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