Comportamento lamentável

Foram lastimáveis as declarações do governador Geraldo Alckmin a respeito da morte de oito suspeitos de participar de um "tribunal" organizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), em Várzea Paulista, durante operação das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). E também da morte da pessoa que estava sendo "julgada", acusada pelo estupro de uma menina de 12 anos. Alckmin resumiu, com um simplismo e uma pressa inadmissíveis para quem ocupa um cargo como o seu, a versão da PM de que as mortes se deveram à resistência dos "julgadores" e do "acusado". "Quem não reagiu está vivo", disse ele, lembrando que oito suspeitos foram presos. O caso está muito longe de ser assim tão simples, e uma declaração como essa só agrava a situação.

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Por Redação
Atualização:

Não se coloca em dúvida por um minuto sequer que a existência de "tribunais" como esse, que mostra a que ponto chegou o atrevimento dos bandidos, é inaceitável. Essa é uma ação criminosa, a ser combatida com rigor. Mas não se pode perder de vista, a começar pelas autoridades, que há formas e formas de fazer isso. E tudo o que se sabe a respeito do caso até agora, por informações fornecidas pela PM, deixa claro - para todos os que são capazes de manter a serenidade e não têm interesse em dourar a pílula por razões políticas ou corporativas - que a forma escolhida não foi a mais adequada.

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Dos oito suspeitos mortos, quatro estavam nos dois carros em que tentaram fugir - dois em cada um - e outros quatro no local em que havia sido instalado o "tribunal" - uma chácara. Foi o fato de estarem nos carros também suspeitos presos que levou o governador a reforçar assim o seu infeliz raciocínio: "Você tem num carro quatro - dois morreram, dois estão vivos". Infeliz, porque isso, em princípio, não prova que houve resistência. Também o "acusado", que ironicamente teria sido "absolvido", se encontrava no primeiro daqueles carros abordados pelos policiais. Durante a operação, a Rota apreendeu duas espingardas calibre 12, uma submetralhadora, um colete à prova de bala, sete pistolas, quatro revólveres, explosivos e cinco carros.

De acordo com o comandante da PM, coronel Roberval Ferreira França, em sintonia com o governador, "todos os indicativos atestam uma ação legítima". Mesmo que tenha havido de fato resistência dos suspeitos mortos, ela não basta para explicar o que houve em Várzea Paulista. O número elevado de mortes para um confronto como esse indica claramente que a operação foi mal planejada. Como mostrou reportagem do Estado, alertada pelo serviço de inteligência da PM sobre o "tribunal" do PCC, a Rota cercou a chácara onde se reunia e esperou o momento certo para a abordagem. Ou seja, teve tempo suficiente para planejar a ação - que deve, é claro, considerar a provável resistência dos suspeitos - de forma a evitar mortes.

Tem razão o especialista em segurança Guaracy Mingardi ao lembrar o óbvio, que a PM parece não ter levado na devida conta nesse caso: "O correto é o policial voltar vivo para casa e o bandido ir para a cadeia". Com relação à possível resistência dos que foram mortos, é preciso considerar duas coisas. A primeira é que é inverossímil que o "acusado" estivesse armado. Por que os bandidos dariam arma a alguém que, além de não ser dos seus, acabara de ser "julgado"? Se não estava armado, como tudo indica, como reagiu? A segunda é que não se pode alegar resistência dos suspeitos, com tanta segurança, se as investigações - sempre feitas em casos como esse - ainda nem tinham começado.

A posição do governador Alckmin é particularmente delicada. E não só porque está adiantando conclusões que não podem ser tiradas antes da apuração dos fatos. É, também, porque, ao fazer isso, como tem a PM sob seu comando, ele está indiretamente incentivando a corporação a agir sem os necessários cuidados, a começar pelo correto planejamento das suas operações. Não é disso que a PM precisa para melhorar seu desempenho na luta contra o crime. É de coragem para corrigir falhas, o que começa por reconhecê-las.

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