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Composto químico matou pacientes, diz polícia

Por Ricardo Brandt
Atualização:

Um composto químico usado em processos industriais como isolante elétrico e que era empregado sem conhecimento da Vigilância em Saúde para exames de ressonância de próstata foi a causa das mortes de três pacientes no Hospital Vera Cruz, em Campinas, interior de São Paulo, que morreram em 28 de janeiro, após serem submetidos a exames de ressonância magnética no crânio.O produto, o perfluorcarbono, foi injetado nas veias dos pacientes por engano por uma técnica de enfermagem que estava em experiência há dez dias no serviço e trabalhava sem a supervisão da enfermeira-chefe. Os pacientes, dois homens de 36 e 39 anos e uma mulher de 29 anos, morreram de parada cardiorrespiratória logo após os exames feitos com uso de contraste (produto usado para melhorar a imagem das ressonâncias), na clínica Ressonância Magnética Campinas (RMC), que funciona dentro do hospital, que é particular e um dos mais conceituados da cidade."Esse produto é usado em exames de próstata, no reto, mas sem contato com o organismo. Em hipótese alguma ele pode ser injetado. Por questões térmicas e de pressão, a substância sofre uma alteração físico-química quando em contato com o sangue, e a substância, de líquida, se transforma em gás, sendo fatal", explica o coordenador do Centro de Controle de Intoxicações de Campinas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Melo de Capitane.O delegado do 1.º Distrito Policial de Campinas, José Carlos Fernandes, afirmou que cada paciente recebeu 10 mililitros de perfluorcarbono. "A técnica imaginou que tivesse injetando soro fisiológico. Ela colocou o produto quando preparava os pacientes para os exames", explicou. Segundo Capitane, pelo peso das vítimas, 7ml seriam suficientes para matá-las.O perfluorcarbono aplicado nas vítimas (FC770) é um líquido incolor e muito pouco tóxico, mas em contato com o sangue provoca embolia gasosa. As bolhas de gás interromperam a circulação sanguínea e a oxigenação do organismo, provocando a morte dos pacientes. Desde 2001, sabe-se do risco de morte quando em contado com o sangue, desde que foram registrados casos na Croácia e na Espanha quando usado para limpeza de equipamentos de hemodiálise. "Ele é um produto usado para limpeza de equipamentos e para detectar vazamentos. Em 2001, em uma dessas limpezas, o produto foi deixado dentro dos equipamentos de hemodiálises e foram registradas as mortes de 23 pacientes. O mesmo ocorreu pouco tempo depois na Espanha, onde morreram 12 pessoas", conta o toxicologista da Unicamp. Uso médicoApesar de o uso não ser regulamentado para exames de ressonância, e se ter conhecimento de aplicação medicinal do perfluorcarbono em situações especiais, como sangue artificial, ventilação mecânica e cirúrgicas oftalmológicas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não reconhece o emprego do produto."A substância é desconhecida da Vigilância e estamos aguardando resultado de uma consulta para saber quais medidas vamos tomar quanto ao uso desse tipo de substância, que é industrial", afirmou a coordenadora da Vigilância em Saúde, Brigina Kemp. Ela criticou ainda o fato do produto estar sendo acondicionado dentro de uma embalagem não identificada de soro, induzindo a funcionária ao erro. "Outro problema é que eles trabalham com quatro profissionais e no dia estavam com dois profissionais e mais uma técnica de enfermagem. Isso só corrobora e questão do erro humano."ResponsabilidadeO delegado responsável pelo caso afirmou agora que vai ouvir mais alguns depoimentos para apurar as responsabilidades individuais dos funcionários do hospital e do próprio hospital e da clínica. O produto foi encontrado apenas dois meses depois das mortes, após testemunhas terem denunciado o uso do produto.Uma busca e apreensão feita com autorização da Justiça localizou na clínica um galão do perfluorcarbono, sem que o hospital declara-se o uso do produto. "As investigação só foram prejudicas. Sob a justificativa de que os profissionais queriam investigar os frascos, eles tiraram tudo do local. Mas havia falta de anotações e muito mais, o que impediu a rastreabilidade e atrasou as apurações" explica o delegado Fernandes.Fernandes afirmou que as responsabilidades do hospital e da clínica serão avaliadas também no relatório que vai apontar as responsabilidades criminais dos envolvidos no caso. Para a diretora da Vigilância em Saúde, ficou evidente a "fragilidade dos procedimentos de trabalho, nos procedimentos, os problemas nos atendimentos e as falhas nos cuidados em relação ao resguardo com os pacientes". A clínica RMC e o hospital informaram que colaboram com a polícia e que aguardam uma definição da polícia para apontar as responsabilidades dos envolvidos.

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