Conexão entre educação e desenvolvimento

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite O Brasil se encontra mergulhado numa das mais graves crises da sua história recente. Como numa tempestade perfeita, o País passa por uma dramática situação econômica, política e ética. É preciso ressaltar que a difícil situação da economia não foi resultado dos efeitos externos, como ocorreu no governo FHC, no final de 1998, com a crise da Rússia, que decretou uma moratória da sua dívida externa e a desvalorização de sua moeda (o rublo). A crise atual foi decorrente de inúmeros erros cometidos pela presidente Dilma Rousseff no seu primeiro mandato, por adotar inúmeras decisões equivocadas e temerárias tanto na condução da política econômica como na gestão pública, notadamente na falta de controle das contas públicas. Esses erros foram agravados pelo aprofundamento do modelo patrimonialista de governar, na aparelhagem do Estado, na utilização de discursos eivados de engodos, mentiras e falsas promessas na campanha eleitoral, e descaso no combate à corrupção na administração pública. Esse baixo desempenho do governo afetou de maneira muito forte o nível de credibilidade da governante, tornando-a refém de suas próprias falhas.     

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Por José Matias-Pereira
Atualização:

A soma desses desacertos vem contribuindo para intensificar na sociedade as discussões sobre as alternativas mais adequadas para o Brasil retomar a trilha do desenvolvimento. Com o propósito de contribuir nesse esforço, trago para essa discussão uma variável essencial: a oferta de educação pública de qualidade. A relevância da educação, do ponto de vista econômico, não é assunto novo na literatura mundial. Merece destaque o estudo seminal publicado em 1930, por Harold F. Clark, denominado "Economic effects of education" sobre os impactos positivos da educação na economia; o trabalho de Gary Becker, publicado em 1975, no qual chamou a atenção para a importância econômica da educação enquanto investimento em capital humano; e, mais recente, o trabalho de Elizabeth King, do Banco Mundial, intitulado "Learning for all. Investing in people's knowledge and skills to promote development", de 2013.

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O Banco Mundial atribuiu a pobreza como causa pela estagnação do processo de desenvolvimento, e falta de acesso à educação como responsável pela perpetuação da pobreza. É perceptível a existência de uma inter-relação positiva entre a educação e o desenvolvimento de um país. Sob essa ótica, o investimento em educação contribui para o país alcançar um maior nível de desenvolvimento, sem desconsiderar que este (o desenvolvimento) pode gerar acréscimos no nível educacional da população. 

O ranking mundial de educação, divulgado recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), coloca o Brasil no desconfortável 60º lugar (foram avaliados 76 países por meio do desempenho de alunos de 15 anos em testes de ciências e matemática). O ranking evidencia a baixa prioridade que vem sendo dada pelos governantes e políticos brasileiros para a as políticas públicas de educação de qualidade nas últimas décadas.

Sabe-se que a educação é um fator importante no crescimento econômico por meio do aumento da produtividade do trabalho. O aumento de salários, em decorrência da produtividade, reflete positivamente no nível de vida, pela diminuição da pobreza e no acesso aos cuidados de saúde, que repercutem no aumento da esperança de vida. Em relação aos benefícios sociais, a educação, sendo um aumento no capital humano, contribui para a formação de capital social, repercutindo beneficamente sobre o crescimento econômico. 

Acredito, no entanto, que a educação é uma ferramenta que vai além do objetivo estritamente econômico, em particular, o emprego. As avaliações dos países com maior nível de desenvolvimento revelam que o direito à educação se desdobra para a melhoria da saúde, moradia, trabalho digno e transportes. Nesse sentido, as estratégias vigentes no mundo capitalista, em especial as definidas pelas instituições multilaterais, não devem ficar restritas ao incentivo à competição e ao individualismo, mas também estimular a solidariedade e o cooperação entre os estudantes.

Constata-se que a extensa dimensão formativa decorrente da educação contribui de forma efetiva para a construção da cidadania, permitindo que o cidadão participe de maneira proativa da política, da convivência em sociedade e da preservação e do uso sustentável dos bens naturais. Assim, a refundação do Estado brasileiro, principal aspiração da população, que conduza ao controle social dos governantes e políticos, passa pela priorização das políticas públicas de educação de qualidade. Educar os brasileiros de maneira consistente é o único caminho viável para o desenvolvimento.

* JOSÉ MATIAS-PEREIRA, ECONOMISTA E ADVOGADO, É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA (ÁREA DE GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA) PELA UNIVERSIDADE COMPLUTENSE DE MADRI, ESPANHA, E PÓS-DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. PROFESSOR DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PESQUISADOR ASSOCIADO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CONTABILIDADE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. AUTOR, ENTRE OUTRAS OBRAS, DO CURSO DE ECONOMIA POLÍTICA (2015), PUBLICADO PELA ATLAS

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