Dados ajudam a planejar sem achismo

No Summit Mobilidade 2020, especialistas explicam que informações fundamentam projetos para uso do espaço urbano, sem desperdício de dinheiro público

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Por Ocimara Balmant e Alex Gomes
Atualização:

“Em Deus nós confiamos, todos os outros devem trazer dados.” A irônica frase do estatístico americano William Edward Deming pode servir como regra para o planejamento da mobilidade urbana no século 21. Afinal, não faltam exemplos no mundo de projetos desastrosos que, esmiuçados, revelam pesquisas mal fundamentadas ou até inexistentes.

É cômica, e financeiramente trágica, a compra de 2 mil trens pela operadora de transportes metroviário francesa SNCF em 2014. Após serem adquiridos, foi descoberto que não caberiam em cerca de mil estações da rede. O erro de 15 bilhões se deu porque os responsáveis pelo projeto tomaram como padrão estações feitas na década de 1980. Caso tivessem checado, saberiam que muitas são dos anos 1960, quando os trens eram mais estreitos.

Metrô de São Paulo faz pesquisa sobre origem e destino deusuários há 50 anos Foto: Felipe Rau/Estadão

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Mas nem sempre os dados podem ser obtidos de forma simples, com uma trena. Os gestores atuais contam com tecnologia de ponta para fazer seus projetos com informações devidamente apuradas. Uma delas é o Big Data, que atua com grandes volumes de dados. É dessa forma que a plataforma Waze for Cities disponibiliza sua imensa base de informações, obtidas com os usuários do aplicativo de deslocamento, para que planejadores elaborem políticas de mobilidade ou possam gerir melhor o espaço urbano. A iniciativa surgiu em 2013 para auxiliar as autoridades em grandes eventos, como a visita do papa Francisco ao Brasil, a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

“Conversávamos com secretários de mobilidade e muitas decisões eram feitas por questões políticas, como interferir em uma avenida da região de alguém com influência, ou no feeling de servidores públicos”, conta Douglas Tokuno, head de Waze Carpool para América Latina. “Agora temos os dados do Waze sobre o que os usuários estão informando, como buracos na via, semáforos quebrados, veículos com problema. E compartilhamos de forma totalmente anônima.”

Para exemplificar o uso do Waze for Cities, Tokuno cita casos nos Estados Unidos em que os usuários reportam acidentes. As informações são repassadas aos serviços de emergência que não apenas têm a localização precisa, com latitude e longitude, como podem entender a gravidade da ocorrência. “Melhorou o tempo de atendimento em 7 minutos.”

No Brasil, a plataforma auxilia cidades em operações cotidianas e intervenções mais complexas. No Rio de Janeiro, a prefeitura usa os dados do Waze para definir o melhor horário para a coleta de lixo. Em Joinville, as informações permitiram solucionar um problema de tráfego na entrada da cidade. “Usaram nossos dados de congestionamento em um software de simulação e testaram alternativas: semáforo, desvio, troca de mão. Assim, conseguiram tomar a melhor decisão: implantar uma rotatória com baixo custo. Um uso eficiente do dinheiro público com base em dados e não critérios políticos ou informações imprecisas.”

Pesquisa sobre o metrô de São Paulo

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Ao lado das novas possibilidades, a Pesquisa Origem e Destino, feita há 50 anos pelo Metrô de São Paulo, permanece como uma das principais referências nacionais em coleta e análise de dados sobre mobilidade urbana. Ela reúne dados que traçam um retrato das mudanças nas formas de deslocamento na região metropolitana.

A última edição, feita em 2017 e que abarca a década iniciada em 2007, ainda está em processo de filtragem de dados, porém alguns registros já foram divulgados e contêm revelações inesperadas. Uma delas é a constatação de que os aplicativos de transporte ajudaram a alavancar o movimento dos táxis, ao contrário do que se supunha, de que as novas plataformas representavam a morte dos concorrentes. No período avaliado, houve um salto de 414% na viagens, partido de 90,7 mil para 468,4 mil por dia, sendo 79% feitas a partir de apps.

O longo intervalo da publicação das pesquisas é algo que representa um problema, principalmente com o ritmo intenso das transformações na mobilidade. Porém, segundo o diretor-presidente do Metrô, Silvani Alves Pereira, já estão em andamento planos que agilizem sua preparação. “Fizemos uma parceria para desenvolver tecnologias novas que facilitem a pesquisa. Ela é muito demorada porque são feitas coletas domiciliares das informações. Nossa ideia é aplicar tecnologias disponíveis hoje por meio de aplicativos para reduzir a periodicidade dessa pesquisa.”

Semáforos inteligentes juntam informações

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Outra vertente em destaque no universo da alta tecnologia ajuda planejadores de mobilidade urbana a embasar seus projetos com solidez: a inteligência artificial. Um exemplo é o Agent, semáforo inteligente feito pela empresa de tecnologia e mobilidade Seebot. Além de orientar o fluxo das vias de uma forma mais eficiente, a partir do uso de algoritmos, ele coleta e processa informações sobre o tráfego em tempo real. Há modelos em operação em cidades como Maringá e Ivaiporã, no Estado do Paraná.

“Semáforos são equipamentos presentes em todos os lugares. Com tecnologia apropriada, podem fazer o mesmo papel de um agente de trânsito com prancheta na mão por 24 horas. Temos uma fonte em tempo real de análise, com classificação sobre toda a mobilidade relacionada a veículos e pessoas”, afirma Aleksandro Montanha, CEO da Seebot. 

Entre as potencialidades do aparelho estão a verificação de infrações de trânsito e a reconstituição em 3D de ocorrências como acidentes. Para os gestores que não desejam ou podem arcar com os custos da substituição dos semáforos, a Seebot oferece uma versão mais compacta de seu produto: o Agent Vino. O dispositivo é instalado em um semáforo tradicional dotando-o de recursos de inteligência artificial.

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Para Sousa, editor do portal Mobilize, faltam diretrizesque apontem como investir para melhorar a locomoção Foto: Taba Benedicto/Estadão

Política pública para a mobilidade

Enquanto Berlim e Barcelona retiraram faixas de automóveis para as pessoas circularem com distanciamento, no Brasil o medo de contrair o novo coronavírus no transporte coletivo lotado, estimula o uso de motos e carros. “Com a pandemia, ficou evidente que não há política nacional que aponte um caminho, de como os investimentos têm de ser feitos na melhora do transporte público, a pé e em bicicletas”, diz Marcos de Sousa, editor do portal Mobilize Brasil, referência em mobilidade. E completa: “No transporte público, a situação atual agravou uma crise que já vinha há tempos, com sistemas ruins e inacessíveis”. Leia mais a seguir:

Como vê a pós-pandemia?

Vendo o contexto mundial, fico animado. Com a pandemia, cidades como Milão, nas quais o carro sempre teve prevalência, estimularam o uso da bicicleta e o caminhar. Berlim e Barcelona retiraram faixas de automóveis para as pessoas circularem com distanciamento.

E o que desanima?

É olhar para a situação do Brasil. O País vinha em um movimento muito bom com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, mas cuja vigência plena vem sendo adiada. Ela determinava que cidades com mais de 20 mil habitantes deveriam ter planos de mobilidade até 2015. Algumas cidades não conseguiram e a solução foi o adiamento. Corremos o risco de ter uma lei excelente esquecida para sempre.

Onde vê os principais entraves?

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Com a pandemia, ficou evidente que não há política nacional que aponte um caminho, de como os investimentos têm de ser feitos na melhora do transporte público, a pé e em bicicletas. No transporte público, a situação atual agravou uma crise que já vinha há tempos, com sistemas ruins e inacessíveis, estimulando o uso de motos e carros. O medo de contaminação afastou mais pessoas de ônibus e transportes sobre trilhos. É um novo desafio que se apresenta no mundo todo.

O que deve ser priorizado?

O andamento das obras de metrô em São Paulo, praticamente de quatro em quatro anos, tem de ser revisto para distribuir melhor a demanda. Com os ônibus, temos o contraste que precisa ser corrigido: muitas linhas sobrecarregadas e com veículos sujos e mal cuidados enquanto outras têm boa frequência e andam vazias.

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