Decoro parlamentar

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Por Ivan Lessa
Atualização:

Viva! Olé! Cada vez que alguém fere o decoro parlamentar, não importa em que parte do mundo, eu me levanto e vou além, muito além, das palmas. Parlamento é o mais propício dos lugares para se ferir decoros. Mais do que campo de touros ou cercanias de estádio onde jogam equipes escocesas ou inglesas. Mais mesmo do que os bares e pubs nas sextas-feiras em todo o Reino Britânico. Se é parlamento, que se fira seu decoro. Este sempre foi meu lema político. Resumo de meu pensamento, minha fé, minha esperança. Deu vexame? Foi representante do povo? Ocorreu em local de trabalho? Ergo então minha taça metafórica e brindo o fato e todos nele envolvidos. Segundo dizem, a esperança é a última que morre. Espero, pois, que quando se dê uma trapalhada qualquer do gênero, o povo, em sua infinita crendice e ignorância, aprenda alguma coisa. Principalmente que aprenda a ficar em casa no dia de eleições. Sonho em vão. Decoro antípoda Australiano é grosso. Repetir isso é lugar-comum. O grande charme australiano consiste em beber rios de cerveja e depois vomitar lagos. O resto é conversa, folclore, lendas urbanas, suburbanas e do outback (imensas áreas desertas e afastadas da ilha-continente). Sempre que vejo uma notícia sobre a Austrália, leio de cabo a rabo. Na expectativa de que, como na tourada, o touro surja do túnel feroz e a esbravejar busca de um imbecil de um toureiro. Em geral, o que dá mesmo é tubarão abocanhando gente na praia. Nunca entendi o porquê desse rabicho britânico com a Austrália. Eles amam. Querem se aposentar e logo antipodar. Lá, ou na Nova Zelândia, onde há mais modos que entre os vizinhos australianos. Ao que interessa. Tudo indica que, na Austrália, vigore o propalado decoro parlamentar. E, com toda certeza, ferido ao menos cinco vezes por dia trabalho legislativo. A mais recente estocada, li jubiloso outro dia mesmo no jornal. Vamos aos fatos, conforme devem ter sido relatados pelo equivalente antípoda (como antipodam esses australianos!) ao nosso bom "Diário Oficial". Seguinte: À chatice dos fatos Troy Buswell, parlamentar que lidera também o Partido Liberal, ora na oposição na Austrália Ocidental, e um dos políticos conservadores sêniores mais respeitados do país, admitiu o fato de que, no ano de 2005, ele cheirou a cadeira deixada vaga por uma colega parlamentar assim que ela se levantou. Levantou para ir lá dentro exercer qualquer prática ligada a parlamentarismos australianos. Não perdeu eleição nenhuma. Apenas deixou o lugar onde estava sentada. Esta senhora, ou senhorita, aliás, insiste em se quedar no anonimato, ao contrário de milhares de outros antípodas. Troy Buswell negava o fato, a cheirada, há 3 anos. Negou oficialmente em 13 ocasiões separadas. Agora, há uma certa pressão no sentido de que ele se demita do cargo. Entre lágrimas, soluçante mesmo, diante da elite da imprensa australiana, ele admitiu agora em maio: - Só posso confirmar que os eventos descritos pelo jornal The West Australian foram e são absolutamente verídicos. Pressionado pelos profissionais australianos do quarto poder, Troy Buswell admitiu que seu procedimento fora indesculpável e dos mais ofensivos. Não pararam aí suas confissões. Buswell revelou que, em outra ocasião, fizera estalar o elástico que prendia o sutiã de uma outra colega parlamentar, por sinal também quedada no anonimato. Um mau colega de partido revelou que Buswell estava de porre (traduzo livremente, embora sóbrio) nas duas ocasiões em que feriu abertamente o decoro parlamentar australiano. Buswell prosseguiu revelando que o caso abalara seu casamento criando um clima dos mais difíceis para ele e a família. Contemplativo, Buswell filosofou: - É duro lidar com essas coisas publicamente, enfrentando minhas responsabilidades, embora de forma particular seja ainda mais difícil. A imprensa australiana não perguntou o que o líder parlamentar queria dizer com a frase enigmática (sempre sóbrio, fui o mais fiel possível na tradução) e limitou-se a fazer perguntas a outros parlamentares. Parlamentares como Kim Hames, substituto (ou será substituta? Nunca se sabe com os/as Kims) eventual do parlamentar farejador. Kim Hames, que é doutor (ou doutora, embora não tenham especificado de que), disse que Buswell era "um diamante em estado bruto" dotado de um "robusto senso de humor". E arrematou: - Não se dá jeito num diamante bruto espatifando-o em pedacinhos. Ninguém da imprensa antipodal questionou a questionável fragilidade diamantina. Assim como também ninguém se preocupou em ir dar uma cafungada legal na cadeira deixada vaga pelo ilustre parlamentar depois de encerrada a entrevista coletiva. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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