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Desafios da Lava Jato

Por Fernando Filgueiras
Atualização:

Análise publicada originalmente no Estadão Noite O clima de incertezas e expectativas parece só aumentar com a já famosa lista de envolvidos no escândalo da Operação Lava Jato. Não é para menos. As notícias de fato são extremamente graves e podem ter consequências bastante sérias sobre o sistema político brasileiro. E neste clima de amplas incertezas e muitas expectativas, o simples conhecimento da lista de políticos envolvidos no esquema de propinas que pilhou recursos da Petrobrás torna-se uma espécie de primeiro clímax desta história. A especulação aponta, por enquanto, que os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional estão envolvidos, além de um conjunto de senadores e deputados de diferentes partidos. Pura especulação, por enquanto. Em casos como este, a tendência do Supremo Tribunal Federal, se acolher os pedidos de investigação indicados pela Procuradoria Geral da República, é o de dar ampla publicidade aos fatos. Cremos que a indicação do Supremo está correta. Em situações como esta, que implica em uma crise política séria, a transparência é um caminho melhor que a opacidade. Mas, por enquanto, estamos apenas na especulação. A lista de Janot tornou-se um enredo de novela, valendo até vídeos e faixas com o procurador-geral da República para pedir as investigações do esquema. Três são os desafios envolvidos nesta operação surgida com os processos de delação premiada validados pela Justiça Federal. Um é de ordem política e comunicacional. Os outros dizem respeito a questões institucionais. Quanto ao desafio de ordem política e comunicacional, temos aqui um trade-off comum a grandes esquemas de corrupção que envolvem políticos e burocratas. Desvelar toda a corrupção existente na República é um sinal de vitalidade institucional, o qual indica que as instituições de controle da administração pública e o princípio da publicidade passaram a funcionar melhor no Brasil. Isto é fato. Porém, como todo escândalo de corrupção, um dos desafios é fazer com que uma questão que precisa ser resolvida institucionalmente será comunicada à sociedade. Escândalos de grande corrupção provocam muita comoção e atenção social, podendo ter um profundo uso político equivocado. Cria-se uma relação nós versus eles, ou seja, da sociedade versus os políticos, que aprofunda a crise de confiança nas instituições representativas, criando dificuldades para a legitimidade do sistema político. É preciso que as instituições, especialmente o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal tenham muita prudência na construção dos fatos. O risco de, junto com a água do banho, ir a criança, é muito alto. Tamanho escândalo de corrupção, sem ainda ter clareza das consequências, tanto para a política quanto para a economia, deve ser tratado com prudência. A publicidade é requerida em uma situação, assim, de crise política e econômica. É necessário haver responsabilidade e prudência, entretanto, com o bem comum. Responsabilizar empresas e todos os envolvidos é essencial, mas, nesta conjuntura, é necessário preservar empregos e condições que não façam com que a crise política e econômica se aprofundem. O segundo desafio é de ordem institucional. Apesar do sucesso da ação penal 470, que colocou na cadeia envolvidos com o escândalo do mensalão, ainda há pouca experiência acumulada com ações dessa natureza. O caso da Lava Jato não envolve apenas políticos profissionais, da esfera federal. Envolve também empresários, sobre os quais ainda não se sabe se responderão no STF, em conjunto com os políticos envolvidos, que têm foro privilegiado, ou se responderão na primeira instância da Justiça Federal. Some-se a isso o fato de que o foro privilegiado tem um problema de princípio. Responder uma ação penal no Tribunal máximo e constitucional da República implica um imbróglio principiológico de que os réus devem ter amplo direito de defesa. Como o próprio Tribunal revisará sua decisão em função de eventuais recursos que possam vir lá à frente, para onde os réus podem recorrer? Este imbróglio foi parcialmente discutido no caso da AP470 e não tem uma solução de curto prazo. Além disso, não há uma boa experiência no caso de políticos que renunciam aos seus mandatos caso estejam envolvidos. O STF tem decisões contraditórias sobre o foro ao qual respondem os réus caso renunciem e, por conseguinte, percam o foro privilegiado. No caso do mensalão mineiro, por exemplo, o processo foi remetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em outros casos, foi para a primeira instância da Justiça Federal. Este tema precisará ser retomado na Operação Lava Jato, caso o STF aceite que os envolvidos sejam investigados. O terceiro desafio compete mais ao Ministério Público Federal. Ele irá ter que recompor toda a complexa cadeia e fluxo de propinas existentes entre empresários, políticos e burocratas e provar que mesmo o dinheiro que tenha sido doado legalmente para campanhas eleitorais, por parte das empreiteiras, tenha origem ilegal. Não será uma atividade fácil e nem tranquila. Caberá, na produção de provas, produzir condições necessárias e suficientes que liguem doações de campanhas feitas de forma legal e procedimental com dinheiro de origem ilegal, resultado de superfaturamento e desvios na Petrobrás. É fundamental percebermos que toda esta Operação Lava Jato ainda está no clima de especulação. Todo o processo de delação foi validado quanto a seu rito. Mas as denúncias precisam ser comprovadas. O fato recente de Renan Calheiros, por exemplo, ter excedido o teto de 3% de propina, segundo delação de Paulo Roberto Costa, é grave. Mas recompor toda a cadeia de comando e propina é algo complexo. É fundamental que a Operação Lava Jato seja bem-sucedida. Poderemos continuar numa linha de enfrentar democraticamente a corrupção e ampliar a responsabilidade com a coisa pública. Mas a prudência é sempre necessária. O caminho será longo, penoso e tortuoso. Muito maior que o do mensalão. Estamos apenas no início do processo. As delações ainda precisam ser comprovadas. Mas não se podem elevar demais as expectativas com um caso difícil. Expectativas elevadas produzem um risco maior de frustração. Aí que mora o perigo do trade-off de escândalos políticos. Ampliar a desconfiança com a representação política, bem como um contexto de forte contestação, pode fazer corromper a própria democracia.* FERNANDO FILGUEIRAS É DIRETOR DA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DA UFMG

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