Dieta de Tocantins ganha superfruta

Nutricionista descobre que bacaba pode prevenir desenvolvimento de doenças crônicas

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Por Ocimara Balmant
Atualização:

A nutricionista Fernanda Abadia Finco tinha acabado de defender sua dissertação de mestrado quando decidiu prestar o concurso público que selecionaria os 400 primeiros professores da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ela fez as avaliações, foi aprovada e, em 2003, mudou-se com os pais do Rio de Janeiro para Palmas.

"Aos 25 anos você não pensa muito, não é", brinca ela, hoje com 34 e prestes a defender, na Alemanha, sua tese de doutorado que acaba de receber o prêmio da Fundação Bunge que reconhece o trabalho de jovens de até 35 anos na área de segurança alimentar e nutricional.

Na mudança para o Tocantins, há 9 anos, ela levava o fascínio de se dedicar à pesquisa e o sonho do pai, que achou o Estado um bom local para se dedicar à apicultura. Ele era fanático pela criação de abelhas e extração de mel.

A união dos dois fatores delineou sua nova trajetória. Na recém-inaugurada UFT, Fernanda começou a dar aulas para o curso de Engenharia de Alimentos e a orientar pesquisas de iniciação científica sobre segurança alimentar. Ao mesmo tempo, nas viagens com o pai apicultor, ela conheceu associações rurais e a biodiversidade da região.

"Foi um conhecimento teórico e prático que me fascinou. Tanto eu conversava com os apicultores, como lecionava num ambiente acadêmico novo, cheio de vigor e muito engajado nas questões ambientais até mesmo pela localização do Tocantins na chamada Amazônia Legal."

Nesse desbravamento, no entanto, a nutricionista percebeu que, mesmo nas comunidades residentes na zona rural e dependentes economicamente da agricultura, a dieta passava longe daquela considerada adequada, com o consumo de frutas, verduras e legumes. "Quase não há hortas. O prato de comida, via de regra, é composto de arroz, feijão e um pouco de carne. Tudo muito gorduroso."

O resultado, óbvio, era o aparente excesso de peso. Uma mostra clara da transição nutricional pela qual o País passa. "Saímos da desnutrição para o sobrepeso e a obesidade, e a população não está consciente de que isso também é um problema de saúde."

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Nesse cenário instigante e desafiador, a primeira parada de Fernanda foi no Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, da qual foi membro entre 2004 e 2006. Ao perceber que o Estado não possuía dados sobre os benefícios dos produtos de sua própria biodiversidade, nasceu seu projeto de doutorado: mostrar como melhorar os indicadores nutricionais com a utilização de frutos regionais.

Pesquisa. Para desenvolver sua tese, Fernanda escolheu a Universidade de Hohenheim, em Stuttgart, na Alemanha. "É a melhor em Ciências Agrárias de lá e uma instituição extremamente internacional." Mas o objeto da pesquisa, claro, continuou muito brasileiro.

Nos dois primeiros anos, 2007 e 2008, o trabalho de campo foi feito com 57 famílias de duas comunidades rurais da Área de Proteção Ambiental (APA) Cantão, região de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica. "Visitei todas as casas e entrevistei as famílias para conhecer as práticas alimentares, o nível de atividade física e entender as condições econômicas."

Com os adultos das comunidades, ela também calculou o Índice de Massa Corporal (IMC). O resultado mostrou que 53,7% daquela população apresentava sobrepeso ou obesidade, um porcentual maior do que a média nacional, de 40%. Além disso, muitos tinham carência de micronutrientes, a chamada fome oculta.

Conversa vai, conversa vem, os habitantes lhe contaram que, apesar de não fazer parte da dieta deles, um dos frutos mais típicos dali era a bacaba. "Eles sabiam que era importante até pelo extrativismo para comércio, mas não consumiam."

Pronto. Estava posta uma nova inquietação para a segunda fase de sua pesquisa: Fernanda voltou à Alemanha e, com base em estudos químicos e bioquímicos, descobriu os potenciais desse fruto que nasce em uma palmeira da região. Os benefícios vão do poder antioxidante à possibilidade de uso no tratamento de câncer. "Não significa cura, mas norteia futuras pesquisas sobre de que forma a bacaba pode modular a prevenção da doença" (mais informações nesta pág.).

"Por isso insisto na ideia de que a pesquisa deve caminhar junto com as demandas da sociedade."

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Futuro. O próximo desafio está traçado: ao mesmo tempo em que se prepara para a defesa da tese, marcada para o dia 25 deste mês, ela inicia um projeto de cooperação internacional entre Brasil e Alemanha com o tema Eco-Nutrição.

Com uma equipe de trabalho maior, a proposta, agora, é ampliar o estudo e incluir outros alimentos típicos da sociobiodiversidade brasileira que também têm tido suas propriedades negligenciadas.

A nova pesquisa foi aprovada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e por duas agências alemãs: DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) e GIZ (Cooperação Técnica Alemã para o Desenvolvimento).

Com os recursos financeiros estão previstas atividades de extensão que deem um retorno à sociedade sobre as informações científicas descobertas. "Como consequência, prevemos que, além do estímulo à alimentação saudável, haverá um acréscimo de renda a esses pequenos agricultores, que receberão uma demanda maior desses produtos tradicionais", explica.

É mais um "empurrão" acadêmico à criação de políticas públicas voltadas à pesquisa, valorização e divulgação de ilustres desconhecidos. Os entrevistados para o estudo de Fernanda, lá do interior do Tocantins, já acrescentaram a bacaba na dieta.

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