Discurso sem pretensão de agradar

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Por Michael Tomasky
Atualização:

O discurso de Barack Obama na entrega do Prêmio Nobel, de 36 minutos de duração, talvez não passe para a História como o seu pronunciamento mais significativo, mas para mim foi o mais interessante que ele já fez.Usando argumentos ora históricos, filosóficos ou teológicos, Obama falou sobre a necessidade de conciliar o desejo de paz com a necessidade de, às vezes, recorrer à guerra, a importância da não violência assim como suas falhas e fracassos, e outros temas realmente relevantes. Notavelmente, ele não disse ao público europeu de esquerda nem ao público americano exatamente o que queria ouvir. Mas fez um discurso complexo, até mesmo difícil de ser acompanhado para algumas pessoas. Gosto de argumentações sutis, mas sei que não é isso que seduz as massas. "Minhas realizações são pequenas", admitiu imediatamente Obama, antes de fazer a segunda e mais importante admissão que se poderia esperar dele. Sim, falou, sou o chefe de Estado de um país que está envolvido em duas guerras - uma que caminha para o fim (uma feliz observação) e outra que não foi uma opção nossa (uma avaliação com a qual muitas pessoas da plateia talvez não tenham concordado). O que se seguiu, então, foi uma série de banalidades que procuraram justificar o planejado envio de mais soldados ao Afeganistão. É claro que GeorgeW. Bush jamais teria recebido um Nobel, no entanto, Bush teria feito o mesmo, ou seja, o tipo de coisa que ouvimos com tanta frequência durante oito anos - justificativas parciais, impregnadas de sofismas e intelectualmente frágeis, que soaram como uma suspeita tentativa de defesa contra as maldosas elites liberais. Evidentemente, procurar justificar-se foi um dos motivos de Obama. Mas o seu discurso foi muito mais profundo do que isso. Em geral, ele evitou ficar dando voltas em torno das questões mais espinhosas ou de tentar despertar a simpatia do público. "Sou responsável pelos soldados", afirmou no momento provavelmente mais franco e turbulento do discurso. "Alguns deles matarão. E alguns deles serão mortos."E, longe de aproveitar a oportunidade para procurar convencer a opinião europeia ou mundial da necessidade da guerra no Afeganistão, Obama falou longamente da necessidade da guerra na busca da paz. "O instrumento da guerra", disse, "serve para a preservação da paz". Estranhamente, foi interrompido pelos aplausos uma única vez - quando afirmou que "os Estados Unidos devem continuar sendo o modelo de legalidade na condução da guerra". Foi evidentemente no trecho que falava contra a tortura, e era justamente o que aquele público queria ouvir dele."VONTADE DIVINA"Mas, ao mesmo tempo, tampouco foi um discurso que pretendia contribuir para elevar seus índices de aprovação nos EUA. Talvez tenha aludido a Richard Nixon e Ronald Reagan em seu papel de pacificadores, mas já havia motivos suficientes para um ataque da direita.Houve ainda um golpe direto a Bush, inteligentemente disfarçado de crítica aos jihadistas: "Se vocês acreditam realmente que estão cumprindo a vontade divina, então não têm necessidade de freios."Ora, se o discurso não pretendia agradar a uma audiência internacional, e se não foi preparado para ajudá-lo politicamente no seu país, qual foi o objetivo? Talvez fosse mostrar que é sincero em sua visão de mundo, e honesto com o mundo e com a posteridade no que se refere às complexidades que estão diante de nós.Uma infinidade de críticas poderá ser feita às decisões de Obama em matéria de política externa, e suas jogadas mais importantes - o reequilíbrio no Oriente Médio, a necessidade de negociar com o Irã e o envio de mais soldados ao Afeganistão - poderão até falhar. Mas, pelo menos, aí está um líder ponderado, intelectualmente honesto, que não insulta nossa inteligência. E este já é um sucesso. Michael Tomasky, jornalista americano, é editor-chefe da revista "Democracy" e editor do paper "The American Prospect", ambos ligados ao movimento liberal dos EUA

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