Mais que diversão, o teatro oferece um caminho para a reflexão, no conceito do dramaturgo argentino Mauricio Kartun. Assim, ao aproximar o mito bíblico de Caim e Abel aos dias atuais, ele toca na ferida dos conflitos sociais. É o que se observa em Terrenal – Pequeno Mistério Ácrata, que volta em cartaz nesta sexta-feira, 11, agora na sala Jardel Filho do Centro Cultural São Paulo.
A trama acompanha dois irmãos que moram no mesmo terreno, comprado pelo pai. Inicialmente considerado um “paraíso”, o espaço inspira um conflito em um domingo, justamente no dia em que são lembrados os 20 anos do sumiço de Tata (Celso Frateschi), o pai.
A confusão começa quando Caim (Dagoberto Feliz) respeita o mandamento de descansar, enquanto Abel (Danilo Grangheia) só trabalha justamente aos domingos, vendendo iscas para os vizinhos que vão à pesca.
“Quando o pai chega, Caim, na ânsia de agradar a Deus, mata o irmão como ato de amor – sua compreensão distorcida o perde, já que para ele, na mais pura tradição religiosa, só oferendas de sangue, só o sacrifício do cordeiro tem pacífica e cabal eficácia”, conta o diretor Marco Antonio Rodrigues. “Em seu trabalho de criação, Kartun parte de um acontecimento (e, no caso presente, o fratricídio, por sua longa trajetória mítica, ganha característica factual de acontecimento), conectando-o a outras imagens, fragmentos míticos, geografias afins, de forma a examinar de onde viemos e como hoje aqui chegamos.”
Em sua concepção cênica, Rodrigues acentuou o efeito cômico, opção diferenciada em relação à montagem que está em cartaz em Buenos Aires há quatro anos. E a montagem atinge um alto grau de tragicomicidade por conta do talento de Frateschi, Grangheia, Feliz e Demian Pinto, que faz a trilha sonora ao vivo. O início do espetáculo, inspirado em filmes mudos, é particularmente genial.
*TERRENAL – PEQUENO MISTÉRIO ÁCRATACentro Cultural São Paulo. R. Vergueiro, 1.000. 6ª e sáb., 21h. Dom., 20h. R$ 20. Até 24/2