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Emoção atinge até os cadetes dos Bombeiros

Um dos jovens que acompanharam o corpo contou ao 'Estado' que sentia medo de chorar

Por Debora Bergamasco
Atualização:

Às 10 da manhã, o clima era de expectativa na Escola de Cadetes do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, quando estavam prestes a ser escolhidos, entre 50 alunos, quem seriam os 8 a fazer, do alto do caminhão vermelho da corporação, o último passeio com o corpo do arquiteto Oscar Niemeyer por Brasília. O critério para decidir quais aspirantes receberiam o caixão das mãos da guarda fúnebre da Aeronáutica, içariam o esquife utilitário e coadjuvariam cena histórica transmitida mundo afora foi determinado primeiro pela altura - os 20 mais baixos foram excluídos, o mais alto (de 2,05 m) também. Entre os que sobraram, um sorteio decidiu. A sorte sorriu para o cadete Alisson Bernardi de Barros que, nervoso, obedecia às ordens passadas e repassadas durante o ensaio, antes de chegar o avião presidencial que buscou, no Rio, o corpo de Niemeyer e cerca de 20 familiares do arquiteto. Quando o VC-1 da Airbus apontou no céu, o cadete disse ao Estado que sentia medo de chorar. "Mas, se escorrer só uma lágrima, não vou segurar, ficaria até bonito. Minha família está gravando a transmissão da TV e quero um dia mostrar aos meus filhos." Depois de tudo sair como o previsto e o cortejo partir rumo ao Palácio do Planalto, às 14h30, um dos oito soldados do Batalhão da Infantaria, que ajudou na descida do caixão de dentro do jato, finalizou sua tarefa e correu para um copo de café com muito açúcar para acalmar. "Estou tremendo até agora", disse a um colega, mostrando a mão com luva branca a sacolejar. Comitiva. Com a peculiaridade de a capital federal ser uma cidade que prioriza carros a pedestres, o cortejo foi seguido pelos motorizados. Populares que queriam ver a comitiva passar improvisaram. Dezenas de carros estacionaram em pleno Eixo Monumental, uma via de 80 km/h, em um recuo de desaceleração onde são fincadas placas que indicam exatamente essa proibição. O empresário Jonas Coelho Nunes, que mora em Brasília, fez o mesmo com seu Renault, pois era sua única maneira "de dar um até breve para Oscar". Foi logo repreendido pela tia, a arquiteta Maria Paula Bittencourt Coelho, que o acompanhava: "Até breve, não, porque ainda queremos viver uns 100 anos, né?" O sobrinho brincou que, "fumando desse jeito, é capaz de a tia não chegar". Maria Paula riu e respondeu: "Esse cigarrinho aqui é em homenagem ao Niemeyer, que, como sabemos, não dispensava uma cigarrilha", proferiu. Em frente à catedral brasiliense, o camelô Luiz Gonzaga dos Santos lamentava a morte de Niemeyer e entoava obra por obra do arquiteto na cidade. Santos pouco estudou e nada entende de arquitetura, mas sustenta a família vendendo réplicas das construções do artista que, em madeira ou pedra sabão, custam menos de R$ 20. Para ele, "viver até 104 anos é tempo demais". Mas este não era o pensamento de Niemeyer. No Palácio do Planalto, o sobrinho do arquiteto, o neurocirurgião Paulo Niemeyer, confessou que, por duas vezes, chegou ao hospital Samaritano, no Rio, decidido a convencer a família a reduzir os tratamentos médicos, para que o tio sentisse menos desconforto e pudesse ter um descanso mais tranquilo. "Mas, sempre que eu chegava, lá me deparava com ele conversando, lúcido e querendo viver. Vi que ele gostaria que fizéssemos tudo o que fosse possível para prolongar a vida. E fizemos." Sobre as decisões da família pós-morte do ateu Niemeyer, o sobrinho falou sobre a missa na capela do hospital e a viagem de avião - meio de transporte detestado por ele. "Resolvemos rezar porque, quando a primeira mulher (Annita) e a filha (Anna Maria) morreram, ele encomendou missas, por isso achamos que ele gostaria. E sobre a última viagem de avião, penso que, agora, o corpo dele não pertence mais à família, mas ao Brasil. Era fundamental que ele viesse dar adeus à capital. Está sendo uma bela homenagem."

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