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ESPECIAL-SADIA e ARACRUZ mostram que crise aportou no Brasil

Por MARCELO TEIXEIRA E ALBERTO ALERIGI JR.
Atualização:

Duas grandes companhias brasileiras deram nesta sexta-feira o sinal de que a crise financeira com epicentro nos Estados Unidos pode causar mais estragos no Brasil do que muitos acreditavam. A alta do dólar, que chegou a beirar os 18 por cento em setembro, efeito colateral da crise, complicou as contas de algumas exportadoras brasileiras que mantinham, até então, posições no mercado de derivativos de câmbio destinadas inicialmente a reduzir o impacto de um movimento oposto: o da valorização do real. A Sadia, uma das principais indústrias alimentícias brasileiras, com fortes vendas externas em carteira, reconheceu uma perda de 760 milhões de reais geradas principalmente por posições em contratos de futuros e opções cambiais. O diretor-financeiro foi demitido. A Aracruz Celulose divulgou um comunicado informando que a exposição da companhia a instrumentos de derivativos foi "fortemente" afetada pelo dólar e que contratou uma empresa especializada para verificar o tamanho do estrago. O diretor financeiro pediu licença do cargo. A resposta do mercado foi imediata. As ações da Sadia desabavam 35 por cento, enquanto as da Aracruz tinham queda de 18 por cento, por volta das 15h45, na Bovespa. A situação, com a apreensão dos investidores sobre o que mais poderia estar acontecendo nas corporações brasileiras, influenciou negativamente a Bovespa e fez com que várias empresas divulgassem comunicados para informar que não possuem exposições pesadas a instrumentos financeiros. Especialistas esperam por impactos nos resultados das companhias nos próximos dois trimestres. "Os investidores estão certos em ficar preocupados. É um sinal amarelo. Vamos todos olhar para as empresas que têm mais operações internacionais e que costumam fazer operações com derivativos", afirmou Lucy Souza, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) em São Paulo. "Foi realmente uma surpresa, ninguém estava esperando", disse a analista do setor de papel e celulose na corretora Ativa, Mônica Araújo. "Estamos fazendo um levantamento das empresas que poderiam, que são tradicionalmente exportadoras e com dívida e que poderiam estar sendo pressionadas com essa situação. A maioria está OK, mas este trabalho tem que continuar", acrescentou. HEDGE DE EXPORTADOR NO FOCO A Sadia reconheceu que as operações que foram realizadas pela diretoria financeira da companhia excederam o hedge (proteção) tradicional utilizado por muitos exportadores, que buscam reduzir a influência da flutuação da moeda nos seus resultados por meio de contratos de câmbio. Há dúvidas no mercado sobre se muitas outras empresas também poderiam ter caído na tentação de buscar ganhos financeiros com derivativos cambiais, quando o ideal seria que apenas buscassem garantir o equilíbrio na lado operacional. "A questão do derivativo é uma ferramenta interessante para hedge, mas ela mal empregada é como uma navalha na mão de criança", afirmou Carlos Daniel Coradi, diretor da empresa de análise Engenheiros Financeiros & Consultores. "Pouca gente entende com profundidade e muitas empresas se iludem com as pseudo-vantagens de proteção dos ativos e passivos através de derivativos", acrescentou. O diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, Sérgio Mendes, afirmou que os casos de Sadia e Aracruz parecem configurar uma situação em que a empresa passou a apostar com o hedge, o que não pode ocorrer. "O hedge existe para que a empresa preserve seus ganhos na operação normal. Não deve ser ferramenta especulativa", afirmou. IMPACTOS NOS BALANÇOS As notícias contaminaram as ações de muitas empresas brasileiras na Bovespa, com analistas preocupados se o problema poderia estar ocorrendo em mais companhias. Os exportadores de carnes Marfrig e Minerva e a exportadora de açúcar e álcool Cosan enviaram comunicados ao mercado dizendo que não possuem operações alavancadas de derivativos e que suas operações em hedge estão alinhadas com o lado comercial, mas parece que o mercado está descrente. Por volta das 15h30, ações como a da exportadora de aves e suínos Perdigão caíam quase 10 por cento. As da Marfrig registravam perda de quase 5 por cento. Lucy Sousa disse que os analistas estavam, de forma geral, com uma visão otimista sobre a exposição de instituições financeiras do país à crise internacional. "(Mas) é uma nova preocupação que vem agora" a questão dos derivativos. José Augusto de Castro, diretor da AEB (Associação de Exportadores do Brasil), disse que a mudança brusca do câmbio causou problemas para algumas empresas. "Ninguém esperava que o câmbio ia mudar tanto em tão pouco tempo. A crise pode pesar nos balanços das empresas exportadoras nos próximos dois trimestres". Mas segundo ele, cada caso é um caso e para algumas empresas a alta do dólar, apesar de impactar no hedge, pode melhorar o resultado devido ao lucro maior nas exportações. Sérgio Mendes concorda. "Uma coisa poderá compensar a outra". (Colaboraram Ray Colitt, em Brasília, Aluísio Alves e Elzio Barreto, em São Paulo) (Edição Aluísio Alves)

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