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Especialistas veem possível reflexo de mudanças climáticas

'Probabilidade é alta', diz professora da USP que considera excesso de chuvas 'anômalo'

Por Herton Escobar
Atualização:

As fortes chuvas que castigaram São Paulo nas últimas semanas podem já ser um reflexo do impacto das mudanças climáticas sobre a metrópole, segundo especialistas ouvidos pelo Estado. "A probabilidade é alta", disse a pesquisadora Maria Assunção da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo. Segundo ela, 2009 foi um ano "anômalo" do ponto de vista meteorológico, marcado principalmente pelo altos índices de precipitação nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste durante o inverno. "Praticamente não tivemos estação seca. Choveu o inverno inteiro", disse. "Diante dessa tendência, é provável que a chuva (de ontem) esteja relacionada às mudanças climáticas."A ocorrência de chuvas fortes no Brasil e em outros países da América do Sul foi uma das anomalias destacadas pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês) em um relatório divulgado ontem, que aponta 2009 como um dos dez anos mais quentes já registrados (leia mais nesta página). Projeções feitas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), órgão científico que assessora a Organização das Nações Unidas sobre o tema, também apontam para um provável aumento da ocorrência de tempestades e outros eventos climáticos extremos no Sudeste do Brasil, caso a tendência de aquecimento da atmosfera não seja revertida nas próximas décadas. Um esforço que depende da redução das emissões globais de gases do efeito estufa, tema que está sendo discutido na Conferência do Clima de Copenhague.Segundo o meteorologista Pedro Leite da Silva Dias, também do IAG-USP, não há como associar um único evento - uma tempestade, uma seca ou um furacão - ao aquecimento global. "Não temos como dizer se essa chuva teria ou não ocorrido se não houvesse o acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera", explica. "Mas é um alerta. É uma mostra do que talvez tenhamos de enfrentar com mais frequência", completa Dias, destacando que a situação é compatível com as projeções feitas pelo IPCC.A dificuldade em relacionar eventos isolados a um fenômeno global deve-se ao fato de que há uma variabilidade natural do clima, especialmente na escala regional. Eventos extremos sempre ocorreram e continuarão a ocorrer independentemente das emissões de gás carbônico para a atmosfera.A diferença, segundo os especialistas, é que, com o aquecimento da atmosfera, eles tendem a ser tornar mais frequentes e mais intensos. Por isso as variações só serão perceptíveis em escalas do tempo maiores, por meio da comparação de tendências.MUDANÇAS EM CURSOSegundo o meteorologista Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já há uma tendência perceptível de aumento de precipitação - incluindo chuvas fortes, como a de ontem - sobre a Região Metropolitana de São Paulo. "Chuvas intensas nessa época do ano são normais. O que chama a atenção é que essas chuvas vêm acontecendo com muito mais frequência hoje do que 30 ou 50 anos atrás", afirma Nobre, que coordena um projeto de pesquisa sobre o impacto das mudanças climáticas em São Paulo e outros centros urbanos.O aumento, segundo ele, deve-se à soma de dois fatores: o efeito da ilha de calor urbana (que favorece a ocorrência de pancadas de chuva nos fins de tarde) e os efeitos do aquecimento global (que também tende a provocar mais pancadas de chuva na região). "Uma coisa se soma a outra, intensificando o problema como um todo", afirma Nobre.Os pesquisadores explicam que a quantidade de chuva que cai durante um mês ou um ano não vai necessariamente aumentar. O que deve mudar, mais provavelmente, é a distribuição temporal da precipitação, com mais eventos de chuva forte e menos eventos de chuva fraca - talvez com períodos de seca prolongada entre eles. "Essa é a maior preocupação, pois são os extremos que causam maior impacto", diz Assunção. O episódio de ontem em São Paulo, segundo a pesquisadora, deve ser visto como um teste da capacidade das cidades e do País de responder a esses eventos extremos - como foi o caso com as tempestades de 2008 em Santa Catarina e com a seca da Amazônia, em 2005. "Se não conseguirmos lidar com esses eventos hoje, então precisamos nos preparar melhor, porque há uma grande chance que eles se tornem mais frequentes daqui para frente", alerta a pesquisadora, ex-diretora do Cptec.

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