F1 chega à Índia ignorando os pobres

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Por ALISTAIR SCRUTTON
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A primeira corrida de Fórmula 1 na Índia, neste fim de semana, celebrará com muito brilho o surgimento de uma nova potência econômica, mas deixará de fora gente como Meera, encontrada pela reportagem estava de pé junto a um lago fétido, carregando no colo uma criança coberta de verrugas, bem perto do novíssimo autódromo. "O que é essa Fórmula 1? Só recentemente eu soube que parte das nossas terras foi adquirida para isso", disse Meera (um só nome), mãe de quatro filhos. À distância, era possível ver os holofotes do circuito, que custou 400 milhões de dólares e pode receber 100 mil espectadores. Simpatizantes da prova dizem que ele é um sinal de que a iniciativa privada indiana é capaz de organizar eventos tecnológicos complexos e de caráter global. Mas a chegada da F1 à Índia reacendeu um debate sobre até que ponto o país deve abraçar a globalização. Para os críticos, trata-se de uma distorção do crescimento econômico e de um evento elitista, sem ligação com a cultura local, com ingressos a valores inacessíveis para a ampla maioria dos 1,2 bilhão de indianos. Por enquanto, no entanto, esses questionamentos estão abafados pelo frenesi midiático. O envolvimento de Lady Gaga e de astros do críquete e de Bollywoood talvez ajude a Índia a recuperar sua autoconfiança depois do recente vexame na organização dos Jogos da Commonwealth, em 2010. Sob comando da Jaypee Sports International, subsidiária da empreiteira Jaypee Group, o autódromo ficou pronto no prazo e sem estouro orçamentário nem denúncias de corrupção - problemas recorrentes nos Jogos da Commonwealth, organizados pelo governo. "A percepção do mundo sobre a Índia vai mudar depois do Grande Prêmio, e as pessoas vão esquecer do que aconteceu por causa dos Jogos da Commonwealth", disse Jaiprakash Gaur, presidente e fundador do Jaypee Group, à imprensa local. O imenso mercado indiano já vinha atraindo as atenções de entidades esportivas internacionais, e também de grandes clubes europeus de futebol. Mas o país continua atrás de outras grandes nações emergentes - a China realizou uma brilhante Olimpíada em 2008, o Brasil vai promover a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, e a Rússia será a sede da Copa de 2018. Mas qual é o preço dessa espécie de competição pelas competições? No caso da F1, há críticas à extravagância do evento e à apropriação de terras para a construção do circuito, que estariam tirando o lugar de outras prioridades em um país onde os índices de desnutrição rivalizam com os da África Subsaariana. Os ingressos mais baratos para o GP custam cerca de 2.500 rúpias (em torno de 50 dólares), o que é aproximadamente metade do salário mensal de um faxineiro. Os camarotes corporativos saem por até 200 mil dólares - e estão praticamente esgotados. Dentro do circuito, perto de reluzentes Mercedes-Benz estacionadas, mulheres pobres espanavam com vassouras e mãos a poeira e as pedras de uma via de acesso, com seus filhos brincando nos arredores. Perto dali, na aldeia de Salarpur, Meera - que é analfabeta e não sabe ao certo sua idade - segurava uma criança doente nos prazos. A criança já contraiu malária duas vezes. O lago, com água parada, está cheio de lixo. Um bezerro pastava nos detritos. "Não entendo esse conceito de carros correndo por diversão", disse ela. "As pessoas pagam para ver isso? Como um filme?" Perto dali, trabalhadores regavam os bem cuidados gramados em torno da pista da F1. Meera, cuja casa só recebe eletricidade quatro horas por dia, precisa andar meia hora até a bomba d'água mais próxima.

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