Filme muscular gera robôs de células cardíacas e silicone

Material criado por cientistas americanos poderá dar origem a próteses e novos tipos de máquina

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Por Carlos Orsi
Atualização:

Uma equipe de cientistas dos Estados Unidos conseguiu cultivar células do músculo cardíaco de ratos sobre uma superfície elástica, criando uma fina lâmina muscular capaz de mover-se, contrair-se - espontaneamente ou em resposta a estímulos elétricos -  e, até, nadar, como um robô biológico. Asssita ao vídeoSegundo o pesquisador Kit Parker, da Universidade Harvard, o novo material poderá ser usado na criação de tecidos ou órgãos para transplantes, próteses ou, mesmo, de motores que imitem as funções de músculos vivos. O substrato elástico usado é o polidimetilsiloxano, ou PDMS, um silicone mais conhecido como "recheio" de alguns tipos de prótese de seios.  A superfície de PDMS foi tratada para aderir às células cardíacas jovens de modo a garantir que crescessem na configuração correta: dependendo da disposição e orientação das células, cada versão do produto - chamado pelo criadores de filmes musculares delgados, ou MTFs, na sigla em inglês - demonstrou movimentos diferentes, dando origem a "robôs" que nadavam, andavam, contraíam-se ou espiralavam-se. "Em uma série de etapas, trabalhamos a química da superfície do PDMS até conseguirmos uma matriz de proteínas no padrão desejado", explicou Parker, em entrevista ao estadao.com.br. "Então, os miócitos (células de músculo cardíaco) prenderam-se à matriz, que estava fixada rigidamente no PDMS. Os miócitos  formam proteínas deles mesmos que lhes permitem agarrar a matriz". Como os miócitos são células vivas, os MTFs precisam de nutrição e oxigênio para viver. "O meio em que eles funcionam precisa ter todos os componentes necessários para sustentar o metabolismo normal da célula", diz Parker. "Nossas criações são delgadas, com a espessura aproximada de uma única célula. Por conta disso, não precisamos construir um sistema vascular no músculo, o que evita um bocado de trabalho já que, como está, o oxigênio pode se difundir livremente pelos miócitos", explica. Segundo o pesquisador, o MTF parece ser mais forte que uma massa equivalente de músculo natural dos ratos. "Mas é difícil fazer comparações, já que o nosso (músculo) trabalha em soluções dentro de um laboratório, e feixes de músculos tridimensionais são projetado para trabalhar em seres vivos, o que fazem muito bem, aliás". Em vídeos publicados no website da revista Science, MTFs aparecem abrindo-se e fechando-se como pinças, ou em espirais que se estreitam e relaxam, como molas de relógios. Segundo Parker, as possíveis aplicações dos filmes podem ser tanto biomédicas quanto mecânicas. "Eles poderão ser usados em próteses de tecidos, como curativos para feridas e como motores para aparelhos que exijam algumas das funcionalidades exclusivas dos organismos vivos. Podem ser usados no teste de novas drogas", para simular como uma substância afetará o ritmo de batimento cardíaco.  "E para estudar a biomecânica da natação de formas de vida marinhas", acrescenta Parker. Como exemplo prático dessa última aplicação, no artigo publicado na Science sobre o trabalho os cientistas descrevem o uso de MTFs para recriar o movimento de natação do basilossauro, uma forma primitiva de baleia que viveu no período eoceno, há cerca de 35 milhões de anos e que, acredita-se, nadava como uma enguia, oscilando o corpo para cima e para baixo. Para criar seus minibasilossauros de silicone, Parker e colegas cortaram pedaços triangulares de MTF cultivados em uma base de 30 micrômetros - milésimos de milímetro - de espessura. Estímulos elétricos levaram à contração e relaxamento das células musculares, fazendo o triângulo nadar. E o estímulo elétrico aplicado "pode ser escolhido de forma a maximizar a distância percorrida por ciclo de contração" das células, diz o artigo. Além disso, diferentes configurações das células no filme geraram nadadores de desempenho distinto. E a que novas tecnologias o MTF poderia dar origem? "Remendos para áreas infartadas do coração, remendos para músculos destruídos, criação de órgãos artificiais", arrisca Parker.

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