Fósseis do amanhã

Mostra em Israel reúne obras que pretendem retratar o padrão estético e o modo de fazer design do século 21

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Por Marcelo Lima
Atualização:

Quais serão os fósseis do amanhã? Quais seriam os objetos capazes de recontar para o espectador do futuro, o cotidiano e os padrões estéticos de nosso século, que, a bem da verdade, mal começou? Essas e outras desconcertantes questões são temas de Post Fossil: Excavating 21st Century Creation, exposição em cartaz no Design Museum Holon, em Israel, sob curadoria da holandesa Lidewij Edelkoort, conhecida como Li.

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Apresentada pela primeira vez em Tóquio, na primavera do ano passado, a mostra, em versão remodelada e expandida, ganha agora localização emblemática: um novíssimo museu, inteiramente consagrado ao design, projetado pelo israelense radicado em Londres Ron Arad, e já considerado um dos mais excitantes espaços do gênero no Oriente Médio.

"O propósito de nossa instituição é fornecer uma visão mais instigante do design, expondo aspectos e ideias pouco explorados pelos demais museus", afirma Galit Gaon, curador chefe do Holon.

Afinada com essa perspectiva, Post Fossil, segundo ele, foi concebida para ser percorrida em ritmo lento. "E com olhos - e os sentidos - bem abertos", alerta Gaon. "Li realizou uma abrangente seleção de fósseis do futuro, com base em seu entendimento de que a melhor forma de o entendermos é voltar nossos olhos para o passado, revivendo o que há de primordial no homem - contrariando o senso comum, que privilegia a especulação científica e a abordagem tecnológica."

Conhecida por seu olhar visionário, Li Edelkoort, que dirigiu a vanguardista Academia de Design de Eindhoven, na Holanda, entre 1999 e 2008, acredita que estamos no alvorecer de uma nova era. Para ela, a sociedade está pronta para abandonar as convenções, regras e estigmas herdados do século passado. "É hora de romper com a mentalidade materialista, substituindo-a pela materialização de ideias", afirma.

Retrato do atual momento, Post Fossil tem como elemento referencial a natureza - tanto sua beleza e seus recursos quanto sua preservação. Ela ocupa papel central nas obras de cerca de 60 criadores de todo o mundo selecionados por Li com o objetivo explícito de sugerir que, ao contrário do que se poderia supor, o futuro do design pode bem mais estar no arcaico e no primitivo do que na pesquisa incessante de novos materiais e processos.

Um dos nomes referenciais da atualidade, o alemão Maarten Baas, por exemplo, comparece à mostra com uma coleção de objetos revestidos, à mão, com argila, revelando sua abordagem intuitiva do design. Já JuliaLohmann quer discutir a relação que as pessoas têm com os animais com a série de bancos-vaca, que uns acham inusitados e outros, simplesmente perturbadores. As peças, revestidas de couro, causam impacto, pois reproduzem detalhadamente as formas do animal, sem a cabeça.

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Que ninguém pretenda, no entanto, antever nas escolhas da curadora qualquer viés moralizante ou panfletário. "Nunca foi minha intenção apresentar esses trabalhos sob uma perspectiva ingênua, como aspirantes a uma linguagem ecológica", diz Li. "O assunto, claro, está presente. Mas apenas como condicionante para um criar mais maduro."

Técnicas rudimentares. Composta por dezenas de objetos aparentemente sem relação entre si - desconsiderando o fato de serem produzidos com matérias-primas como madeira, couro, cerâmica e metal, a partir de ferramentas e técnicas bastante rudimentares -, a exposição, à primeira vista, surpreende por seu visual agressivo e impactante. Analisada sob outra perspectiva, aponta para um estilo de vida mais modesto e contido. Mas, nem por isso, menos satisfatório.

Na esteira da crise econômica mundial, o período do design glamouroso e aerodinâmico, no entender de Li, parece chegar ao fim. "Percebo que a nova geração procura rever os valores construídos ao longo do século anterior. Eles rejeitam o banal e, por isso, procuram voltar às raízes. O que eles querem é fazer do criar, de novo, algo verdadeiramente significativo", afirma a curadora.

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