Gilmar Mendes diz que não se pode 'canonizar' força-tarefa da Lava Jato

Ministro do Supremo também apontou riscos de 'conluio' entre Judiciário, Ministério Público e Executivo

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Por Clarissa Thomé
Atualização:
Gilmar Mendes, presidente do TSE Foto: Andre Dusek/Estadão

RIO - O ministro do Supremo Tribunal Federal  Gilmar Mendes disse que não se pode “canonizar” os integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Ele voltou a criticar o que classificou de “abusos” e disse que os procuradores decidiram “assumir o papel de legislador” quando propuseram as 10 medidas contra a corrupção que acabaram sendo alteradas em votação na Câmara.

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Perguntado sobre sua posição a respeito da Lava Jato, disse que é um dos maiores defensores da operação, mas que mantém posição crítica. “Não defendo abusos e não concordo quando os membros da Lava Jato decidem assumir o papel de legislador, aí claro que eu sou crítico. Examinei essas propostas e critiquei a que acabava com habeas corpus. O cidadão que assinou isso obviamente não sabe que ele próprio está correndo risco se a proposta for aprovada. Acho que a Lava Jato cumpre papel importantíssimo. Disse isso no Congresso Nacional. Só vamos ter reforma política graças à Lava Jato, que colocou todo o sistema político e o sistema econômico-financeiro exposto. Essa é uma grande vitória. Daí a canonizá-los, a deificá-los, vai uma distância.”

Crise entre Poderes. Mendes também afirmou que o Brasil se "transformou numa república corporativa", ao comentar a decisão do ministro Luiz Fux de anular a votação do pacote anticorrupção que acabou desfigurado pelos deputados. Ele apontou como mau exemplo desse problema a situação atual do Rio de Janeiro, onde haveria o que classificou de "conluio" entre Judiciário, Ministério Público e Executivo fluminenses.

"Temos de tomar o cuidado de não parecer que estamos olhando nossos próprios umbigos, nossos próprios problemas de procuradores e de juízes. O Brasil se transformou numa república corporativa. Quer saber o futuro de uma república corporativa? Olhe o Rio de Janeiro. Criou-se um modelo de república corporativa no Rio, com esse conluio entre Ministério Público, Tribunal de Contas, Judiciário local, Legislativo e o Executivo. E o resultado parece que não foi bom", afirmou o ministro. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Mendes esteve no Rio para uma cerimônia comemorativa dos 20 anos da urna eletrônica.

De acordo com Mendes, a ministra Eliana Calmon, quando foi corregedora do Conselho Nacional de Justiça, "descobriu que as ações de improbidade administrativa não andavam" no Rio de Janeiro em razão desse "conluio". "Isso não deu bom resultado. O Estado está pagando por isso. O Judiciário do Rio é um pobre rico, com esse fundo de que ele se apropria. E conseguiu isso graças à debilidade dos governos Garotinhos. Isso não acontece em lugar nenhum, além do Rio. O Judiciário do Rio empresta dinheiro ao Executivo."

De acordo com o ministro, para resolver o problema énecessário "enfrentar as corporações, colocando-as dentro dos seus limites". Gilmar defendeu que se encerre o modelo de autonomia financeira do Judiciário e que haja respeito ao teto constitucional.

Em tom mais ameno do que o adotado na véspera, quando se referiu à liminar de Fux como "AI-5 do Judiciário", Mendes voltou a criticar decisões monocráticas como esta do pacote anticorrupção e a do ministro Marco Aurélio Mello, que havia determinado o afastamento do presidente do senado Renan Calheiros e foi derrubada no plenário do STF. "São erros individuais que acabam ocorrendo. Talvez um excesso de voluntarismo".

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Para Mendes, o pacote anticorrupção, de volta à Câmara, voltará a ser aprovado, já que recebeu "mais de 400 votos" na primeira votação. O plenário do STF só deverá se apreciar o mérito da liminar de Fux em fevereiro, após o recesso.

"A tradição do tribunal tem sido de não intervenção à pauta legislativa", afirmou. "A discussão deve ser feita dentro do Legislativo. Do contrário vamos legislar. Mandamos nosso projeto para o Congresso e dizemos que não podem ser alterados. Aí não é mais democracia. Gostemos ou não, é o Congresso que nós temos".