Grupo Galpão reestreia Romeu e Julieta em Londres

Peça que coloca atores em pernas de pau será apresentada em festival no Globe Theatre que trará Shakespeare em 37 idiomas.

PUBLICIDADE

Por Paulo Cabral
Atualização:

Não faltam peças de William Shakespeare nos teatros das grandes cidades brasileiras. Só em São Paulo, por exemplo, há três versões de Romeu e Julieta no momento - provavelmente, ao lado de Hamlet, a peça mais conhecida do bardo quinhentista - à disposição. Mas quase todos os críticos apontam uma montagem como a mais marcante no teatro contemporâneo brasileiro: o Romeu e Julieta do Grupo Galpão, que estreou no início do anos 90, com direção de Gabriel Vilela. Para comemorar os 30 anos do grupo sediado em Belo Horizonte, o Galpão está remontando esta peça, que vai reestrear em Londres, no Globe Theatre, num festival que vai trazer grupos de teatro de 37 países para encenar todas as peças de William Shakespeare, cada um em sua língua. "Essa montagem do Grupo Galpão é um preciosidade. Fico muito feliz que eles estejam remontando essa peça para que quem viu possa relembrar e quem não viu tenha mais esta oportunidade", disse à BBC Brasil a tradutora e crítica Bárbara Heliodóra, considerada uma das maiores autoridades em Shakespeare do Brasil. Depois de estrear em Londres em maio a peça deve ainda ser apresentada em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, mas não há detalhes sobre as datas nem expectativa de apresentação em outras partes do país. Cultura popular A montagem do Galpão é baseada numa tradução clássica de Shakespeare para o português mas buscou elementos na cultura barroca mineira - evidentes mais do que tudo nos figurinos e na música - para trazer uma história universal de amor a um contexto da cultura popular brasileira. Aliás, o Galpão é originalmente um grupo de teatro de rua e é para esse espaço que a peça foi inicialmente concebida. O grupo já se apresentou ao ar livre para plateias de mais de 4 mil pessoas. "Quando Shakespeare escreveu suas peças elas eram encenadas ao ar livre. Levar Romeu e Julieta para a rua é o melhor jeito de recriar o clima do teatro do período elisabetano (do reinado de rainha Elizabete I, entre 1558 e 1603)", disse o diretor Gabriel Vilela, que aceitou o convite para dirigir a remontagem da peça. Os próprios ensaios da montagem original da peça do Grupo Galpão foram feitos em praça pública, numa pequena cidade do interior de Minas Gerais. "Fazíamos nosso ensaios na praça da cidade, e as pessoas que voltavam do trabalho no campo, no fim da tarde, paravam para nos ver. E as reações do público também nos ajudavam a encontrar o tom da peça", explica o ator Eduardo Moreira, o intérprete de Romeu e um dos fundadores do Grupo Galpão. Moreira conta que à medida que os dias passavam, a população local se envolvia na tragédias dos jovens amantes. "Algumas vezes, quando o Gabriel parava o ensaio para dar alguma instrução aos atores ou pedia para repetir a cena, as pessoas reclamavam. Começavam a gritar pra gente continuar a história", conta Moreira. O diretor Gabriel Vilela diz que as paixões despertadas pela tragédia chegaram a causar um pequena confusão quando o grupo se apresentava nas ruas de Ouro Preto, cidade em que a peça estreou no início dos anos 90. "Uma mulher na plateia começou a gritar que estava apaixonada pelo Romeu e invadiu a cena", relembra. Pernas de pau Um dos aspectos mais marcantes da peça é a interpretação em cima de pernas de pau. "O Galpão sempre teve muita experiência com isso por conta de sua característica de ser um grupo de teatro de rua onde pernas de pau são muito úteis para que o pública possa ver os atores", diz Eduardo Moreira. Mas além dessa razão, há também uma intenção simbólica por trás do uso do adereço. Moreira explica que Romeu e Julieta é uma tragédia de "precipitação", em que os personagens agem muito mais do que pensam. "A perna de pau da muito bem essa ideia de uma certa falta de equilíbrio. Você está lá em cima mas pode cair a qualquer momento." Outra marca registrada do espetáculo é a perua Veraneio 1974 que faz as vezes de balcão onde Romeu e Julieta trocavam suas juras de amor. "Mas fizemos uma inversão: Romeu fica em cima (numa plataforma de madeira montada sobre o carro) e Julieta fica embaixo, sentada ao volante da Veraneio". O carro tem história: nos anos 1980, carregava os jovens atores do grupo Galpão apresentando peças nas ruas Brasil afora. "Quando convidamos Gabriel Vilela para dirigir uma peça nossa a primeira coisa que ele decidiu é que o cenário seria nossa Veraneio. Antes mesmo de saber que peça íamos fazer, já sabíamos que seria encenada no carro." Em geral, o carro chega a ser ligado e Romeu engata uma ré em cena. Mas no Globe Theatre - o teatro com palco ao ar livre, construído nos moldes daquele em que Shakespeare apresentava suas peças - o carro vai ter que ser empurrado porque pelas regras de casa motores não podem ser ligados ali dentro. "O momento mais olímpico da trajetória dessa peça foi nossa apresentação no Globe no ano 2000. Aquilo é praticamente um templo porque Shakespeare é uma religião, no melhor sentido da palavra", diz Gabriel Vilela. "Voltar agora é uma honra e uma grande emoção." O Galpão é o único dos 37 grupos convidados para o festival Globe to Globe a já ter se apresentado neste cultuado teatro prestes a se tornar uma torre de Babel, com cada país trazendo as palavras do mais reconhecido dramaturgo do mundo em sua língua transmitindo as mensagens, símbolos e tipos universais de William Shakespeare. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.