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Israel e o Estado Islâmico

Análise publicada originalmente no Estadão Noite Não poderiam ser mais infundadas as alegações de que o Estado Islâmico pode representar uma ameaça a Israel. O ISIS é uma mistura de organização terrorista e Estado falido, que tem conseguido atuar nas áreas majoritariamente habitadas por sunitas no norte do Iraque e centro da Síria. Declarou a recriação de um Califado Islâmico em junho de 2014, com sua capital em Raqqa, uma cidade de mais de 500 mil habitantes, e vem se promovendo divulgando internacionalmente as atrocidades que comete contra seus inimigos. Apesar de suas capacidades táticas, e de ter obtido armamento sofisticado com a conquista de bases militares sírias e iraquianas, o alcance do ISIS é limitado. Não possuem força aérea e têm sido contidos sempre que avançam em direções a áreas habitadas primordialmente por outros grupos étnicos e/ou religiosos. Assim, avançaram em direção ao sul do Iraque até serem contidos pelas milícias xiitas; no leste foram derrotados pelos Peshmergas curdos e na própria Síria, pelas forças combinadas de Assad, do Hizballah e da Guarda Revolucionária Iraniana. No norte da Síria, contam com a conivência dos turcos, que temem o fortalecimento curdo mais que as ações do próprio ISIS. Através da fronteira turca, obtêm suprimentos, contrabandeiam petróleo e tratam seus feridos com recursos financeiros obtidos das monarquias do Golfo Pérsico. Por ora a ameaça está longe das fronteiras israelenses. Células do Estado Islâmico têm atuado na Península do Sinai e, apesar de algumas operações bem-sucedidas contra as tropas egípcias, vem sido contidas com grandes perdas. Mas a derrubada do avião russo que partiu de Sharm-el-Sheikh mostra o potencial da organização como grupo terrorista, mais que como exército regular. Como no passado recente os episódios de imigração ilegal através da fronteira do Sinai levaram os israelenses a fortificá-la, inclusive com a construção de uma barreira física ao longo de toda sua extensão, qualquer tentativa de infiltração por parte do Estado Islâmico torna-se muito mais difícil. E o Hamas tem problemas suficientes na administração da Faixa de Gaza e de seu conflito com Israel para arriscar-se a permitir a entrada de elementos do ISIS, que poderiam tentar usurpar sua iniciativa ou, no limite, alegar que a versão islâmica do Hamas é demasiadamente moderada. São duas as áreas de fronteira nas quais o ISIS poderia vir a se transformar em uma ameaça, ainda que nos moldes das organizações terroristas que Israel vem enfrentando ao longo de décadas: a Jordânia poderia sofrer o impacto de vitórias pontuais do ISIS contra suas Forças Armadas, o que permitiria o acesso a uma fronteira menos protegida (o acordo de paz entre Israel e a Jordânia tem mantido calma na fronteira ao longo de vinte anos); nas Colinas de Golã, a tranquilidade foi mantida ao longo de décadas por um governo sírio que reconhecia a supremacia israelense. Agora, com a falência das forças de Assad, ironicamente é o Hizballah que tenta impedir o avanço das forças do Estado Islâmico em direção à fronteira libanesa e redutos xiitas, protegendo assim, também, a fronteira israelense. Mas ainda que Israel não tenha se envolvido diretamente no conflito, todos os analistas concordam com a avaliação de que qualquer tentativa de aproximação das forças do Estado Islâmico da fronteira israelense levaria a uma resposta intensa e imediata, que não deixaria dúvidas sobre a percepção da ameaça. O ataque na Síria, a comboios de armas destinadas ao Hizballah, pode servir de exemplo de como os israelenses vem monitorando com cuidado e atenção o que ocorre próximo a suas fronteiras. Finalmente, os atentados em Paris demonstraram, assim como a derrubada do avião russo, a capacidade operacional do ISIS, que poderia ser instrumentada também contra a sociedade israelense. Mas sujeita a uma ameaça latente, o permanente estado de vigilância em Israel torna atentados terroristas muito mais difíceis de serem organizados e perpetrados. Ainda assim, no momento é esta provavelmente a única ameaça que Israel poderia temer, vinda do Estado Islâmico e seus afiliados.

Por Samuel Feldberg
Atualização:

* Samuel Feldberg é graduado em Ciência Política e História pela Universidade de Tel Aviv, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, co-coordenador da área temática Oriente Médio, do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da USP, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e de Pós-Graduação do Núcleo Diversitas da FFLCH - USP. É autor de 'Estados Unidos e Israel: uma aliança em questão' (Editora Hucitec - SP)

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