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Ivan Lessa: O preço da migração

Não se trata de bicho-carpinteiro. É busca por uma vidinha melhorzinha mesmo.

Por Ivan Lessa
Atualização:

Quando cheguei a este país pela primeira vez, em 1968, não tive problema com visto de permanência. Afinal, eu era convidado e para cá viera afim de ajudar a Grã-Bretanha a espalhar o que restara de seu império: informações para o resto do mundo a respeito do que estava pelo resto do mundo acontecendo. O leão perdera os dentes mas não os modos. O Serviço Mundial da BBC transmitia em, creio, umas 40 línguas e era ouvido dos vários lados da Cortina de Ferro e mesmo nos países nela pousados. Era um tempo em que se ouvia rádio. Alguém se lembra das ondas curtas? Tinha pernas longas e, se precedida das três letrinhas de um - B, B e C, digamos -, era sinônimo de confiabilidade. Eu era feito aquele pele vermelha que nos maus filmes de caubói emergia da pradaria com as mãos no ar se explicando em péssima gramática, "Não atire, homem pálido! Mim amigo!". Isso, eu era amigo e viera fazer um cafuné no velho leão, além de pegar um finzinho da Londres que "suingava". Hoje, informatizados, e prestes a transmitir de novas e moderníssimas dependências, o Serviço Mundial continua cada vez mais global, pois este o equivalente do século 21 às costeletas compridas e à minissaia daquele outrora tão "ontem mesmo". Em suma, e sem maiores delongas, o mundo ainda estava mais ou menos preso em seus respectivos lugares e seus habitantes se viravam e iam levando como podiam. Nada parecido com as migrações em massa que se vê, ou se ouve noticiar e comentar com isenção (no que agora são os sites, ou sítios, do Serviço Mundial da BBC) pelo inquieto mundo afora, todos querendo sair de um lugar e ir embora para outro. Não se trata de bicho-carpinteiro. É busca por uma vidinha melhorzinha mesmo - e o diminuitivo é de tristeza e preocupação, sem nenhuma sombra de xenofobia ou qualquer coisa mal vista pelo Ministério Público Federal brasileiro que quer multar e processar o Dicionário Houaiss por conter verbetes contendo as diversas acepções de palavras em português. Agora, para dizer a verdade, que a BBC nos acostuma ao hábito, eu preferia que não se juntassem em frente à minha casa essas gentes todas em condição de diáspora desesperada. O governo britânico continua dando as boas vindas a um bom número de gente. Gente que vem dar uma mãozinha útil ao país ou ajudar na mudança de serviços mundiais para novas instalações. Só que impuseram alguns senões sérios. Uma medida severa foi tomada em relação aos migrantes que querem ou, por falta de remédio, optaram por viver no Reino Unido. Anunciou-se que, a partir de agora, o cidadão interessado em fixar residência no país, tem de ganhar (ou auferir, que é verbo mais adequado à quantia envolvida) pelo menos R$ 95 mil reais por ano. É uma nota respeitável. Nada que assuste um oligarca russo de aqui comprar seu palacete ou um potentado árabe de montar umas tendinhas. O pessoal que vive na base do desespero, ou tentando arribar numa canoa, com ou sem furos, não achou a menor graça na novidade. De passagem, diga-se que, em 2010, 84 mil pessoas entraram na fila que a cada dia aumenta mais. O fato foi confirmado pelo Serviço Mundial da BBC, em suas novas e modernas instalações, lembremos, e assim, pois, de inegável realidade. O problema é que mesmo com sede nova, pertinho de Oxford Circus, não dá de jeito nenhum para acomodar decentemente uma onda ou mesmo marola migratória de cerca de 100 mil pessoas contando para o mundo o que nele se passa e como se passa. Chato, mas verdade. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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