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Ivan Lessa: O prêmio Booker

Pronto. Chegou aquela época do ano em que vai sair o Prêmio Booker. Creio que consegui driblar o assunto durante 4 anos seguidos. Desta vez, não resisto. Tá aborrecido demais. Lá vou eu, mais uma vez, tentar explicar do que se trata.

Por BBC Brasil
Atualização:

Pronto. Chegou aquela época do ano em que vai sair o Prêmio Booker. Creio que consegui driblar o assunto durante 4 anos seguidos. Desta vez, não resisto. Tá aborrecido demais. Lá vou eu, mais uma vez, tentar explicar do que se trata. O Prêmio Man Booker, mais conhecido como o Prêmio Booker é um prêmio literário criado em 1968. Constitui um dos mais importantes atribuídos anualmente. Em língua inglesa, yes sir. Valem, no entanto, australianos, canadenses, sul-africanos e o resto da turma anglófona. É só dizer que é da Commonwealth ou da República da Irlanda que o escritor ou a escritora tem uma chance de pegar, em dinheiro vivo, 50 mil libras, além do mais esterlinas, sim senhor. Dá mais de cem mil dólares e o vencedor tem garantido um aumento de 68% na venda de seu romance. Ah, sim. Só vale ficção, romance. Uma estranheza: os praticantes da nobre arte literária oriundos ou residentes no Paquistão podem concorrer. Pois é, depois dizem que James Joyce é difícil de entender. Os trabalhos de seleção têm início no começo do ano e uma comissão de notáveis desanda a ler furiosamente. Coitados. Há duas listas. A curta e a longa. Ou seja, fazem render ao máximo o esquema. A lista longa já está circulando há algum tempo. A curta foi divulgada, com o espalhafato habitual, na noite de quinta para sexta-feira da semana passada. Bastou oficializarem a lista curta (estou traduzindo literalmente: short list) para, na sexta, todos os jornais se ocuparem do assunto com o destaque devido e indevido. Infelizmente. Detesto o Booker e todos os "bookerizados", entre os quais, aliás, estão nosso querido Kazuo Ishiguro, de Os Restos do Dia, daquele filme com o Anthony Hopkins, Salman Rushdie, de Os Filhos da Meia-Noite (mas nunca, de jeito nenhum, Os Versículos Satânicos) e até a Keri Hulme, da Nova Zelândia e J.G. Farrell, aqui mesmo do Reino Unido. Como? Não ouviram falaram da Keri nem do J.G.? Tem nada, não. Esses não pegaram aqui também. Ninguém ligou, ninguém comprou. Em compensação... E o Ian McEwan? Nada mais booker, em seu sentido mais amplo, ou seja "livresco", do que o Ian McEwan. Não só é o escritor favorito das multidões e das estrelas daqui, como também é "paratyano", uma vez que é muito popular em Paraty, aí com vocês e vossos festivais. Eu parei de ler o McEwan. Não por escrever mal, que ele escreve bem pra chuchu, mas por excesso de comparecimento midiático. Não há evento que o McEwan não é convidado por um jornalão ou canal de TV para dar suas impressões, as quais ele tem sempre muitas para dar, sempre sentidas e ultra-literárias. Desde o desaparecimento misterioso das torres gêmeas do World Trade Center até a mais recente derrota do Manchester United. Vá lá que seja, os escritores são os nossos guias, oráculos e profetas, mas, conforme se dizia antes de Machado de Assis, devagar com a louça. McEwan está na lista curta deste ano. Com seu romance On Chesil Beach. Ele vive em lista curta, média e longa. Sempre muito prestigiado e simpático quando vai receber o cheque na televisão (sim, a cerimônia é transmitida ao vivo pela televisão. Os britânicos acreditam muito em livro.). Este ano, no entanto, McEwan enfrenta alguma resistência e provoca dissidências. Por quê? Porque a praia de Chesil dele tem menos de 200 páginas. Autoridades de óculos e sem óculos, de peruca e sem peruca, já se pronunciaram a respeito. Há duas correntes nessa praia de Chesil, duas barraquinhas coloridas armadas. A primeira diz que, com menos de 200 páginas, não pode ser romance, mas sim novela, que eles escrevem e chamam de "novella", tadinhos. A segunda diz que pode ser romance, sim, senhor, e que, sendo ficção, e tendo mais de 187 páginas (ou por aí) é romance e, sendo do McEwan, romance dos bons. Resultado: lá está, mais uma vez, antes mesmo de qualquer premiação, a cara bonachona do simpático McEwan enfeitando os jornais do dia e do fim-de-semana. Conforme disse: não agüento mais o Ian McEwan. Principalmente porque, no momento, estão levando um filme de sucesso baseado em romance dele, Atonement, que no Brasil recebeu o título de Reparação, e, depois de se defender, bem e justamente, de acusações de plágio, desandou a dar entrevista após entrevista e não sai da mídia à minha frente. Quando eu soube que esse romance, novela ou "novella", começa com um casal absolutamente virgem em sua noite de núpcias, sem a menor idéia do que fazer, onde fazer e o que fazer, com todos os picantes (ou chocantes, se preferirem) detalhes sexuais - aliás uma marca registrada de McEwan, para não chamar de obsessão ou vulgar exploração dos piores instintos de leitor -, disse para mim mesmo: "Esse não me pega". Passo ao largo de Booker, McEwan e Chesil Beach. Não fazem a minha praia, para ficar no tema e cravar um jogo tolo de palavras. Continuarei lendo Eduardo Galvão, que só tem excelentes notícias velhas a me dar, para meu gáudio e curtição. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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