Ivan Lessa: Romance na linha e fora da linha

Colunista comenta os namoros online e o correio sentimental de uma revista altamente intelectualizada.

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Por Ivan Lessa
Atualização:

Proliferam os namoros online. Tudo prolifera online. Nada mais fácil que, em sendo alfabetizado, procurar os sites adequados e lá tentar encontrar uma namorada - amada amante - apreciadora talvez do repertório de Roberto Carlos. Duro é ser alfabetizado, lembremos. Com esses acordos a reformar e ameaçar nossa maneira de escrever. Curioso, aliás. Ninguém baixou decreto ou ameaçou com voz de prisão quem online não observar as regras boladas por acadêmicos deveras impressionados com aquela farda que usam uma só vez na vida. Volto ao romance. Como quem volta a uma mulher ingrata. O romance na rede. Blogado e até mesmo, quem sabe, twitterado, já que esta é a moda mais recente. "Você é loura ou morena?", "Qual a sua altura?", "Enumere seus filmes prediletos?" Lá estão, na net, como se passeando prosaicamente domingo à tarde num jardim de subúrbio. Gente enganando que não é brincadeira. O senhor casado e de meia-idade assinando-se "O Gato" e se fazendo passar por um garotão de praia amante do vôlei e da música pop. A pobre menina de 14 anos, feiinha, o rosto coberto de espinhas, garantindo que se separou do marido porque ele era muito ciumento. São todos lindos, louros ou morenos, não sabem o que é a solidão. Tudo que querem é uma alma irmã com que possam compartilhar daquilo que a vida oferece de melhor. Cuidado! Muito cuidado, namorados da internet! Há entre vós perigosos cavalheiros da rua Emiliano, com caspa na sobrancelha, que costumam bater ponto nos pequenos contos do grande Dalton Trevisan. Baratas leprosas com uma bala azedinha numa mão e uma figurinha Zequinha na outra. Todo cuidado é pouco. Por esse motivo é melhor buscar refúgio, seja para rir ou buscar alma gêmea, nas publicações gutenberguianas de sempre. As equivalentes atuais do Grande Hotel , Amiga , Contigo . Dá para se enganar da mesma maneira. Basta não comparecer ao encontro na porta do cinema de terno branco e flor na lapela ou vestido azul e pulseira dourada. Andei dando uma espiada numa publicação tida como altamente intelectualizada. A London Review of Books , publicação quinzenal repleta de densos artigos e críticas vendida ou assinada apenas após os interessados mostrarem certificado de mestrado em, pelo menos, epistemologia e hermenêutica. Nunca reparei em seu correio sentimental. Já me bastavam a preocupação em torno da natureza e dos limites do conhecimento humano ou a crítica, sob viés marxista, da obra e pensamento de Keynes, ora muito em moda nesses meios. Dei uma conferida. Pincei algumas. Confiram. Todas absolutamente autênticas. "Meu último anúncio nesta coluna foi influenciada pelo catálogo inicial da banda de krautrock Paternoster. Desta vez, baseio-me inteiramente na obra de Gil Scott-Heron. Sou do sexo masculino e tenho 32 anos." "Vacilo violentamente entre um certo número de arquétipos, que vão de Muriel Spark a Germaine Greer. Sou uma mulher de 43 anos." Ela poderia ter dito que tinha 39 anos. Ninguém iria notar ou ligar. Mas nunquinhas. A revista é séria. "Filantropia é meu segundo nome. Pode me chamar de Mr. Wallace. O prenome não é de sua conta." "Todos os seres humanos são 99,9% geneticamente idênticos. A ciência provou, pois, que sou o homem para você. 41 anos. Podem me chamar de brigadeiro, nas horas de intimidade." "Se eu pudesse estar em qualquer lugar agora eu escolheria 17 de dezembro de 1972. Tenho meus motivos." "Deus apareceu para mim num sonho que tive ontem à noite e sussurrou seu nome em meu ouvido. Deu-me também os números vencedores na loteria da semana. Minha idade? 37 anos. Vivo de esperança." E chega que essas coisas me deixam nervoso. Fica o teste baseado na dúvida que me atormenta: qual deles é o Vampiro da Curitiba do esplêndido Dalton Trevisan? Um pacote de bala azedinha para quem acertar. Cartas para esta redação. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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