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Jesuíta, papa deve priorizar o diálogo

Pontificado de Francisco deve ser marcado pela descentralização da Cúria e pela ênfase maior no trabalho pastoral do que na doutrina

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Por Marcelo Godoy e Ocimara Balmant
Atualização:

Uma ruptura com Bento XVI. Quatro dias de pontificado ajudaram a consolidar a percepção de que o papa Francisco deve mudar a vida da Igreja, deixando de lado a administração centralizada em Roma e a excessiva atenção com a doutrina que tanto caracterizaram o papado anterior.O primeiro aspecto é que a escolha de Bergoglio tirou importância da Cúria e a passou para o trabalho pastoral, seguindo o que ocorrera com João XXIII e João Paulo II, que substituíram papas ligados ao governo do Vaticano (Pio XII e Paulo VI, respectivamente). "Não tínhamos só um papado saído da Cúria (Bento XVI), mas saído da Congregação da Doutrina da Fé que, para o bem ou para o mal, enfatizava questões doutrinárias, enquanto a vida da Igreja está nas ações pastorais", diz o padre e historiador José Oscar Beozzo.Para o historiador Keneth Serbin, a escolha de um jesuíta foi a maior surpresa. "Apesar de terem estado na vanguarda intelectual no século 20, muitos jesuítas foram silenciados por serem contra o fundamentalismo católico. Ter um deles no posto mais alto significa que a Igreja está disposta a dialogar." Isso não significa, explica Serbin, que Francisco mudará de opinião sobre aborto e casamento gay - o novo pontífice é claramente contra os dois -, mas que terá disposição em dialogar. "É da essência do jesuíta, envolto nesse meio intelectual, estar aberto a ouvir."Diálogo surgido no trabalho pastoral. Isso está por trás de parte do otimismo de muitos teólogos progressistas nos últimos dias. Francisco é um papa que permite várias leituras. Não se vincula à Teologia da Libertação, mas leva uma vida pobre e é crítico do capitalismo. Tradicional na moral, mas progressista nas questões sociais e políticas.Para Beozzo, o novo papado não é uma continuidade de Bento XVI mesmo que, ao discutir sexualidade, faça "muita gente pôr a mão na cabeça". "Abordar essas questões só pelo ângulo dos princípios é apresentar uma face de pedra às pessoas. Fazê-lo pelo lado pastoral é muito diferente", diz Beozzo. Ele cita o fato de Bergoglio ter mandado o clero portenho batizar filhos de casais em segunda núpcias, pois muitos padres se recusavam a batizar filhos de divorciados.Abordar um problema pelo ângulo pastoral significa privilegiar o acolhimento. "A regra não pode ser mais importante que o acolhimento. É o que o Evangelho mostra quando os doutores da Lei dizem a Jesus: 'Essa mulher foi pega em adultério, a Lei manda apedrejar'. Jesus não respondeu sobre a Lei. Era uma armadilha. Do ponto de vista da Lei não havia saída. Ele disse: 'Então tudo bem, quem não tem pecado aqui pegue a pedra e jogue'. Não sobrou ninguém; só Ele e a mulher. E Ele disse: 'Ninguém te condenou? Então também não condeno. Vai e não peque mais'. Ele não falou que a Lei estava errada. Ele tratou por outro ângulo, e essa tem sido a prática de Bergoglio em Buenos Aires."Debate. Para Serbin, essa abertura agrada a muitos fiéis e é bem vista por parte do clero, mas desperta temores de setores da Igreja. Esse seria o caso do Opus Dei, uma prelazia conservadora que ganhou força com o pontificado de João Paulo II. "Com Francisco, o Opus Dei pode se ver ameaçado na questão do poder - já que ele tende a dar menos espaço à organização - e também na questão da visão, à medida em que estará aberto à discussão."Outro aspecto que contribui para essa expectativa de mudanças é o fato de Bergoglio levar para o coração da Igreja a experiência do episcopado latino-americano. "A preocupação nos últimos anos, tanto de João Paulo II quanto de Bento XVI, foi concentrar poder no centro da Igreja ", diz Beozzo. Os bispos da América - incluindo os anglo-saxões - ressentiam essa concentração de poder na Cúria. "A Igreja latino-americana aplicou o Concílio (Vaticano 2.º) de forma coletiva, continental. Isso não ocorreu em outro continente."A colegialidade no comando da Igreja é portanto, um ponto central da experiência de Bergoglio na condução da Igreja. Na América Latina, os sínodos dos bispos tiveram caráter deliberativo. "Eles foram os únicos espaços dentro da Igreja de manifestação desse espírito colegial nos últimos 50 anos. Se Francisco devolver esse espaço de autonomia às conferências episcopais fará um grande bem. Acho que a gente volta a respirar."Para Serbin, o "eurocentrismo na Igreja acabou", mas a certeza de que mudanças vêm pela frente só virá quando o novo papa indicar seu ministério. "Daí veremos se sua equipe condiz com o governo que ele dá sinais de querer estabelecer."

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