Lei de patentes fez País gastar R$ 123 milhões a mais com 4 medicamentos

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Por Ligia Formenti e Felipe Recondo
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Num período de 19 meses, o Brasil gastou R$ 123 milhões a mais na compra da versão patenteada de apenas quatro medicamentos distribuídos no sistema público de saúde. O valor refere-se ao dinheiro que o governo economizaria se comprasse as mesmas drogas em países onde elas são vendidas na versão genérica. Isso não é possível por causa de um mecanismo chamado pipeline - que reconheceu a patente concedida em outros países antes de a lei brasileira sobre o tema entrar em vigor, em 1996. Na prática, ele impede o Brasil quebrar a patente desses medicamentos ou comprá-los a preços mais baixos no exterior, em sua versão genérica,O fim do pipeline tornou-se a bandeira de um movimento iniciado há dois meses por organizações não governamentais (ONGs) do Brasil e de outros 26 países para tentar apressar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) sobre patentes de drogas. A Adin, proposta em maio de 2009, pede a revogação do pipeline. Se a ação for considerada procedente pelo STF, as patentes concedidas automaticamente a pelo menos 440 remédios no Brasil passam a ser consideradas inválidas - o passaporte necessário para dar início à versão genérica dessas drogas."Estamos falando de muito dinheiro que poderia ser economizado e também de mais pessoas com acesso a tratamento", afirma Gabriela Chaves, farmacêutica da ONG Médicos Sem Fronteiras.Os quatro medicamentos citados no início da reportagem servem de exemplo. O custo de R$ 123 milhões a mais gasto pelo governo, entre maio de 2009 e dezembro de 2010, foi estimado pelo Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual a pedido do Estado. Os medicamentos são: olanzapina, usado para o tratamento de esquizofrenia; imatinib, indicado para tratamento de um tipo de câncer; atorvastatina, receitado para reduzir as taxas de colesterol; e lopinavir/ritonavir, um antiaids. O onlazapina perdeu a patente em abril de 2010. Por isso, no cálculo feito, foram considerados os gastos somente até esse período.A lei de patentes, de 1996, previa que, até 1997, empresas interessadas poderiam apresentar seus pedidos de patente por meio do processo pipeline. "Corremos contra o relógio. Parte das patentes já expirou. Em tese, as últimas devem terminar até 2017", afirmou a advogada do grupo Conectas, Marcela Cristina Fogaça Vieira. "A versão genérica de um medicamento pode ter um impacto nas contas extremamente significativo." A diferença pode ser notada com a onlazapina. Em 2010, o Brasil pagou por uma das apresentações 142,83 vezes mais caro do que teria desembolsado com a aquisição de uma versão genérica do produto.Isonomia. A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, depois de uma representação da Federação Nacional dos Farmacêuticos. Entre os argumentos está o de que o pipeline fere o princípio da isonomia: patentes aprovadas por esse sistema não tiveram de ser analisadas como os demais medicamentos. O pedido era automaticamente aceito: bastava que se comprovasse a existência da patente em outros países no período anterior a 1997. Além disso, a tese é de que, como o Brasil não reconhecia até 1996 patentes para medicamentos, qualquer produto até aquela data deveria ser considerado como de conhecimento público. "O pipeline ocorreu por opção do Legislativo. Nada obrigava o País a adotar essa medida", diz Gabriela.Depois de proposta a ação, várias instituições pediram para participar do julgamento, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim que recebeu o processo no STF, a ministra Carmem Lúcia decidiu que não analisaria o pedido de liminar e adotou um rito abreviado para julgamento do processo. Ela encaminhou a ação para que a Presidência da República e a Advocacia-Geral da União se manifestassem sobre o assunto. Todas as informações, inclusive o parecer do Ministério Público, foram encaminhadas ao STF até março do ano passado. Desde então, o processo aguarda a análise da ministra. "Estou trabalhando no processo", afirmou a ministra. Ela não adiantou, no entanto, quando levará o processo a julgamento.Diferença de preço17,99 vezesa mais foi o quanto o governo brasileiro pagou pela versão de marca do Imatinib em 2010 em relação ao genérico disponível no mercado internacional10,84 vezesa mais foi o quanto custou aos cofres públicos em 2010 a compra do remédio Atorvastatina de marca, em comparação à versão genérica do mesma droga PERGUNTAS & RESPOSTASComo funciona a patente1. O que é patente? A patente é um título de propriedade concedido pelo Estado ao inventor do produto ou do processo, por um tempo determinado. A patente assegura ao seu detentor o direito de exclusividade na exploração do produto.2. Quais são requisitos da patente? Para ser concedida, o autor do pedido da patente deve comprovar a novidade, a atividade inventiva (a obtenção do produto deve envolver processo criativo) e a aplicação industrial do produto.3. Qual o prazo da patente? A patente de invenção vigora pelo prazo de 20 anos contados a partir da data do pedido.4. O que é Pipeline?O mecanismo foi previsto na Lei de Patentes, de 1996. Por esse mecanismo, foram aprovados automaticamente pedidos de patentes concedidos no exterior, mas que, até então, o Brasil não reconhecia - como patentes para remédios e para alimentos. Os pedidos de patente pipeline estavam sujeitos apenas à análise formal. Em nenhum dos processos foi examinado se estavam presentes requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial pelo escritório brasileiro de patentes, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

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