Lucas Mendes: Aids e o namoro do bode

Os fracassos e sucessos no combate à Aids no mundo.

PUBLICIDADE

Por Lucas Mendes
Atualização:

Aids deprime e desamina a conversa, mas o jornalista Craig Timberg e o cientista Daniel Helperin acabam de publicar um livro com histórias fascinantes sobre fracassos e sucessos no combate a AIDS em vários países, com ênfase nos países africanos. O livro é Tinderbox: How the West Sparkled the AIDS Epidemic and How the World Can Finally Overcome It. Não vamos falar em números e percentagens mas vale a pena lembrar a origem da história. Aids existia em macacos, há milhares de anos na África, e se chamava SIV. No século 19, colonizadores alemães e belgas chegaram a Camarões e à região que seria chamada Congo Belga. Nestas expedições, de comércio levavam carregadores africanos para pegar no pesado e era comum matar macacos para comer. No sangrento processo de destrinchar um animal, algum empregado, com um corte na mão, pegou o vírus do SIM. Biólogos, geneticistas e epidemiologistas hoje são e capazes de identificar um vírus, seus descendentes e mutantes durantes séculos. Naquelas aldeias pequenas e distantes da África, as doenças começavam e matavam com os mesmos sintomas de tantas outras doenças: diarreia, febre e enfraquecimento. Foi entre 1884 e 1924, provavelmente em 1908 que o primeiro vírus saiu da população dos chinpanzés para os humanos. Craig Timberg conta que o ano-chave na nossa geração é 1960, quando o belgas saem do Congo que fica independente. Os geneticistas calculam que de mil a duas mil pessoas naquele ano tinham Aids no Congo, mas a doença ainda não tinha nome. Com a saída dos belgas, a economia e a administração do Congo colapsaram e as Nações Unidas mandaram milhares de médicos, enfermeiras, técnicos que falavam francês, centenas deles haitianos. Na revolução sexual dos 60 e 70, o Haiti era um dos destinos favoritos dos americanos. Foram eles, ou através deles, que a Aids chegou aos Estados Unidos. Eu morava na rua 9, no Village, e a continuação era a rua Chistopher, que tinha a maior concentração de gays em Nova York. Um dia, minha mulher Rose, que produzia matérias para a Bandeirantes me disse que trabalhava numa matéira sobre gays que que morriam de uma doença misteriosa. Em 1981 a palavra Aids apareceu pela primeira vez na imprensa, na revista Newsweek. Craig Timberg estava na escola e se lembra do pavor da geração dele, na faixa dos 16, 17 anos, que tinha suas primeiras experiências sexuais. Na década de 90, a doença começou a ser contida nos Estados Unidos mas galopava na África onde o homossexualismo era um tabu. Aids, na África, foi diagnosticada como promiscuidade de brancos e ignorada em vários países, entre eles a África do Sul, um dos mais sofisticados do continente. No Congo Belga, um país atrasado, que tinha virado Zaire, os doentes eram chamados de "londrinos", coisa de expatriados ingleses. O ditador Mobutu dizia que a doença chegou na Africa quando milhares de fãs foram assistir à luta de George Foreman e Muhammad Ali e não fez nada para conter a epidemia. O filho dele morreu de Aids. Uganda, onde Aids se chama Slim, deu a volta por cima. A doença corria solta quando Museveni chegou ao poder em 1986 depois de uma guerra civil. Intelectual de esquerda, Museveni ouviu os médicos e mandou um grupo de funcionários para ser treinado em Cuba. Dezoito deles tinham Aids. Fidel disse a Museveni: "Irmão, você tem um problema grave". O africano acreditou, entendeu que a doença se espalhava pela promiscuidade sexual e criou um programa chamado "Zero Grazing" ou "Pastagem Zero". A metáfora vem do bode que fica amarrado num toco e só come o capim em volta até formar um zero. Num país onde a poligamia era legal e comum a campanha do Museveni enfatizava a monogamia. Quem pasta em casa, como o bode, sobrevive. Quem pasta fora de casa morre de Aids. Em resumo, Timberg e Helperin demonstram que algumas das campanhas mais simples, como as de Uganda e Zimbábue, que enfatizavam a redução no número de parceiros sexuais, foram mais eficientes no combate a Aids do que os modelos criados pela ONU, Estados Unidos e Europa. O uso da camisinha funcionou bem na Tailândia onde as prostitutas eram a principal fonte da doença, mas este não é o caso na África, nos Estados Unidos nem na Europa . Outra revelação: circuncisão. E aqui infelizmente entra uma percentagem. Timberg e Halperin dizem que os circuncidados têm 70% menos chance de contrair Aids porque a pele exterior do pênis é fina, frágil e fácil de ser penetrada pelo vírus. Os não circuncidados contrariam estes números. Outra história, cheia de números. Na dúvida, camisinha nele. PS: Obrigado aos autores Craig Timberg e Daniel Halperin. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.