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Lucas Mendes: Deusa das solteiras (e das feias)

Helen Gurley Bown mudou a vida de milhões de mulheres; e de homens também.

Por Lucas Mendes
Atualização:

Paul Ryan, deputado conservador republicano, esta semana entrou nas nossas vidas como candidato a vice-presidente de Mitt Romney. Ele seria o tema da coluna mas, esta semana, Helen Gurley Bown, aos 90 anos, saiu das nossas vidas. Paul Ryan, de 42 anos, eleito vice ou não, deve ficar conosco várias décadas, mas Helen vai sumir do cenário. Vamos falar sobre ela e como mudou a vida de milhões de mulheres. De homens também. Ela foi uma self made woman. Perdeu o pai na infância e a mãe, pobre, deixava a filha deficiente aos cuidados de Helen. A educação foi a básica. Datilografia e intuição ajudaram a passar por 17 empregos, de secretária a assistente, até entrar na vida americana com o livro "Sex and the Single Girl", em 1962. A ideia foi do marido, David: como uma mulher solteira devia ter e administrar seus affairs. No primeiro capítulo Helen Gurley Brown promove as vantagens da vida das solteiras, divide os homens em várias categorias, dos úteis aos desagradáveis, e vai, passo a passo, do começo ao fim de um affair. O livro foi recusado por várias editoras, o título foi mudado de "Sex For the Single Girl" para "Sex and the Single Girl" e o lançamento coincidiu com o da pílula anticoncepcional. Em três semanas vendeu 2 milhões de exemplares e, em poucos anos, estava em 35 países. Nas entrevistas para rádio e televisão ela não podia usar a palavra sexo, mas a revolução sexual passava, disparada e fervendo, ao largo da mídia careta. O sexo e a solteira de Helen Gurley Brown estava um ano na frente de "Femine Mystique" de Betty Friedan, trampolim ideológico do movimento feminista, e dez anos anos de Gloria Steinem publicar "MS", a revista bíblia das feministas americanas. Helen se proclamava uma delas, mas foi rejeitada e desprezada pelas feministas. Seguiu, seu bem sucedido caminho, na paralela. O marido, um ex-editor e grande produtor de Hollywood, tão liberado quanto Helen, foi quem convenceu o grupo editorial Hearst a entregar a decadente revista Cosmopolitan a Helen. O alvo seria a mulher comum, de classe média e solteira. O comportamento sexual delas seria uma constante nas páginas ilustradas com fotos que mostravam decotes mais ousados e vestidos mais curtos. E histórias apimentadas. A escritora Gail Sheehy ainda não tinha publicado nenhum dos seus 15 livros quando foi contratada por Helen para contar como as aeromoças da Pan American, mulheres lindas, passavam suas noites em Paris, longe dos namorados e maridos. Afrouxavam os cintos dos parceiros. Um escândalo. As feministas não almoçavam com Helen, mas a mesa dela tinha Woody Allen, Hollywood e a inteligentsia nova-iorquina. O escritor John Searles começou como mensageiro na Cosmopolitan, tornou-se crítico literário e um editor contribuinte. Durante algum tempo trabalhou na sala ao lado da editora chefe e conta que quando ela voltava dos almoços para sua sala colocava música clássica alta e soltava fortes grunhidos. Um dia ele finalmente descobriu que ela malhava o almoço. Suava em bicas. Helen publicou outros três livros, já era rica de royalties, salário e marido, ficou mais rica, tinha carro e motorista à disposição mas, com mais de 80 anos, escondida do marido, sempre andava de ônibus para ver como as menos afortunadas, suas leitoras, se vestiam. À escritora Gail Sheehy, que se tornou amiga e confidente, Helen contou que deixou de ser virgem aos 19 anos e antes de se casar com David, aos 37, teve dezenas de affairs. Ficou livre deles mas, às custas de 20 anos de hormônios que provavelmente provocaram um câncer de seio aos 65, manteve uma vida sexual ativa com o marido até depois dos 80. Ela levava David para os lançamentos da revista, que chegou a circular em mais de 70 países, inclusive dois muculmanos, Turquia e Indonésia. Quando deixou de ser editora da edição americana, aos 74 anos, continuou como supervisora das edições internancionais que ainda circulam em 65 países. A escritora descreve Helen como uma deusa do sexo das americanas de classe média mas, reconhece, não tinha nada de Vênus. E esta é a parte mais fascinante. Magra, com cara de fuinha, sem nenhum peito e nariz plastificado, Helen se descrevia como uma ratinha. Era de fato um modelo para a mulher sem encantos físicos. E, fora da sabedoria sobre o comportamento sexual das solteiras, era uma editora bem informada, mas não muitas ideias originais. Quando fui entrevistá-la para a revista Manchete não encontrei táxis. Era verão, fui a pé e cheguei suando. A única coisa que me lembro da entrevista foi dela todo tempo secando o suor do meu rosto com um lenço de seda. Adorável. Tinha um lado de gueixa. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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