Lucas Mendes: Último duelo do verbo

Colunista tira lições do futebol americano para analisar as eleições dos Estados Unidos.

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Por Da BBC Brasil
Atualização:

Bang! Tome este adjetivo! Bang! Bang! Pois tome dois substantivos! Quem caiu? Em vinte debates do Partido Democrata nesta campanha ninguém morreu. Nem matou pelo verbo. Alguns artilheiros do blá blá blá, como Bill Richardson e Joe Biden, morreram sem matar ninguém. Outros saíram feridos. Joe Biden acertou no pé de Rudolph Giuliani quando disse que o ex-prefeito de NY só era capaz de construir uma frase com sujeito, verbo e "11 de setembro". Nem o primeiro debate presidencial na era da televisão entre Nixon e Kennedy matou pelo verbo. Nixon, garantem, morreu pela barba mal feita e pelo suor. Outras fontes nos dizem que John Kennedy ganhou pelo glamour, calma e, mais importante, pelos votos roubados pelo prefeito Richard Daley de Chicago. Naquele debate, Nixon e Kennedy passaram a maior parte do tempo discutindo detalhes sobre subsídios agrícolas, as ilhas Quemoy e Matsu na costa da China, Gana, Laos e Formosa (Taiwan). Nada disto seria importante logo nos anos seguintes, mas nenhum dos dois disse uma palavra sobre o Vietnã nem sobre os movimentos por direitos civis que tomariam conta dos próximos dez anos. George Bush, o pai, falou sobre as grandes, fantásticas e democráticas mudanças na China onde serviu como embaixador. Um ano depois, veio o massacre da Praça da Paz Celestial. De 1960 ate 1976 não tivemos debates presidenciais. Os candidates não queriam ou precisavam correr riscos. Mas desde então tivemos centenas deles e não podemos apontar um que tenha decidido uma eleição. Tivemos frases e momentos preciosos. O vice-presidente Walter Mondale se inspirou num comercial para engasgar o adversário, senador Gary Hart, quando perguntou "onde esta o bife"?, uma referência a um comercial do hambúrguer da cadeia Wendy's provocando a concorrência que oferecia um enorme sanduíche com muito pão e pouca carne. A mesma cobrança que Hillary Clinton, ainda sem sucesso, tentar fazer de Barack Obama. Gerald Ford saiu gravemente ferido quando disse que a União Soviética não tinha nem teria controle da Europa Oriental enquanto ele fosse presidente. Ronald Reagan, aos 73 anos, esquecia, confundia e no primeiro dosdebates com Walter Mondale perdeu o fio da meada, disse barbaridades,mas se recuperou no segundo com um golpe que entrou para a históriaquando disse que não queria tirar vantagem política da juventude e inexperiência do jovem candidato. Bill Clinton, um artilheiro do verbo político, levou um tiro do senador Bob Dole quando o âncora do debate perguntou aos dois se o país estava melhor do que quatro anos antes, quando Clinton assumiu o poder. "Está melhor para ele", respondeu o senador. Verbo decisivo A uma semana das primárias do Texas e Ohio, que podem decidir quem será o candidato democrata este ano, Hillary Clinton veio para o vigésimo e talvez último debate com tudo a ganhar. Um verbo decisivo poderia mudar os rumos das pesquisas que a cada dia crescem a favor de Obama. Um grupo de assessores, entre eles o marido, Bill Clinton, era a favor de jogar pesado no ataque para compensar a fraqueza da senadora, que não tem o carisma de Obama nos comícios, mas é craque no corpo a corpo e competente nos detalhes dos temas essenciais. Se insultasse, pediria desculpas depois. Em debate, tudo é perdoável. Nos anteriores , quando a senadora engrossou o calibre contra Obama, bateu firme, usou ironia e sarcasmo, o tiro saiu pela culatra. Os golpes dela provocavam mais constrangimento e vaias do que aplausos. Se o marido mandou bater, ela não seguiu o conselho. Os primeiros dezesseis minutos, um recorde para um debate sobre um tema nesta eleição, foram sobre os programas de saúde. O de Hillary envolve todos os americanos. O de Obama é mandatório só para crianças. Os dois sabem do que estão falando, ela mais do que ele, mas as diferenças, em termos de números, não fazem ou desfazem uma eleição. Ambos são contra os acordos comerciais, mas são posições convenientes em Ohio, onde mais de 200 mil americanos perderam empregos nos últimos anos. Mas a maioria dos economistas concordam que os acordos trouxeram mais lucros do que prejuízos para os americanos. Ela se sai bem em política externa. Ele compensa a falta de experiência com um currículo que, desde o começo, antes de Hillary, foi contra a invasão do Iraque e teve um dos melhores momentos no debate quando responsabilizou a senadora por levar o "ônibus para o buraco". O ônibus é os Estados Unidos. O buraco é o Iraque. Esta frase vai entrar para a história dos debates, mas não decidiu a batalha do debate. A senadora precisava de um nocaute e não conseguiu ontem à noite. Como a maioria deles, para quem não tem paixão por um deles, acabou em empate. Hillary Clinton agora precisa ganhar nas ruas, nos comerciais de rádio e televisão, na mobilização de voluntários do Texas e em Ohio e jogar com toda a gramática política. Para Obama, basta não errar na concordância. Há pelo menos uma lição que podemos tirar dos debates: nunca acertaram sobre o assunto que vão dominar o país e o mundo nos próximos dois anos. Em 2000, quem falava sobre Iraque e terrorismo? BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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