Lula culpa lobby de petróleo por críticas a etanol

Lula faz discurso de 30 minutos na FAO e é criticado por Berlusconi.

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Por Daniel Gallas
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira na conferência da FAO sobre a crise do preço dos alimentos que os "dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e de carvão". No plenário da agência da ONU para Agricultura e Alimentos, Lula disse aos líderes mundiais que "para entender plenamente as verdadeiras razões da atual crise alimentar, é indispensável afastar a cortina de fumaça lançada por lobbies poderosos, que pretendem atribuir à produção de etanol a responsabilidade pela recente inflação do preço dos alimentos". "Esse comportamento não é neutro nem desinteressado", afirmou. Lula disse que um dos principais fatores da crise são as "absurdas políticas protecionistas na agricultura dos países ricos" e distanciou a produção brasileira de etanol da americana, que é baseada no milho. Segundo ele, o milho americano só é competitivo contra a cana-de-açúcar brasileira quando "anabolizado por subsídios e protegido por barreiras tarifárias". "Não sou favorável a que se produza etanol a partir de alimentos, como no caso do milho e outros. Não acredito que alguém vá querer encher o tanque do seu carro com combustível, se para isso tiver de ficar de estômago vazio", disse. Discurso A Conferência da FAO, que começou nesta terça-feira, tenta chegar a uma conclusão sobre o peso dos diferentes fatores que estão causando a alta do preço dos alimentos. Lula discursou no plenário diante dos chefes de Estado do Japão, França, Espanha, Irã e Argentina, entre outros. O presidente começou o discurso afirmando que seu governo liderou o combate à fome e criticou a comunidade internacional por não dar continuidade a ações negociadas em encontros. "Findas as reuniões e apagadas as luzes, parece que as pessoas voltam-se para seus afazeres do dia-a-dia. E aí a fome é esquecida, para ser lembrada apenas quando ocorre uma explosão como a das últimas semanas." Lula falou por quase 30 minutos, o que gerou uma manifestação de desconforto do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Após o discurso, Berlusconi disse que quando Karl Marx pediu um mês para falar aos trabalhadores sobre a revolução do proletariado, recebeu apenas três segundos. "Acho que cinco minutos é um tempo bom", disse o italiano. Protecionismo O protecionismo dos países ricos à produção agrícola dos emergentes foi um dos alvos preferidos de Lula em seu discurso. "Vejo com desolação que muitos dos que responsabilizam o etanol - inclusive o etanol da cana-de-açúcar - pelo alto preço dos alimentos são os mesmos que há décadas mantêm políticas protecionistas, em prejuízo dos agricultores dos países mais pobres e dos consumidores de todo o mundo", disse. "Baratear a energia e os fertilizantes e acabar com os subsídios intoleráveis da agricultura nos países ricos - estes são nossos maiores desafios hoje." "É preciso reconhecer que, se a agricultura dos países em desenvolvimento tivesse sido estimulada por um mercado livre, talvez não estivéssemos vivendo essa crise de alimentos." Vilão Lula disse que a inflação dos alimentos é causada não só por um fator, mas por vários - como a alta do petróleo, as mudanças cambiais, a especulação nos mercados financeiros, as quedas nos estoques mundiais, o aumento do consumo em países em desenvolvimento, como China, Índia, Brasil e as políticas protecionistas dos países ricos. "Os biocombustíveis não são o vilão que ameaça a segurança alimentar das nações mais pobres", disse. Sobre o preço do petróleo, Lula apresentou uma série de estatísticas. Ele disse que o petróleo, que representaria 37% da matriz energética brasileira, seria responsável por 30% do custo final. "Aí, eu me pergunto: e quanto não pesa o petróleo no custo de produção de alimentos de outros países que dele dependem muito mais do que nós? Ainda mais quando se sabe que, nos últimos anos, o preço do barril saltou de 30 para mais de 130 dólares." Lula também rebateu as críticas de que o etanol estaria invadindo outras lavouras ou que ela ameaçasse a Amazônia, citando que toda a cana produzida no Brasil estaria em apenas 2% da área agrícola do país. "Há críticos ainda que apelam para um argumento sem pé nem cabeça: os canaviais no Brasil estariam invadindo a Amazônia. Quem fala uma bobagem dessas não conhece o Brasil", disse Lula. "99,7% da cana está a pelo menos 2 mil quilômetros da Floresta Amazônica. Isto é, a distância entre nossos canaviais e a Amazônia é a mesma que existe entre o Vaticano e o Kremlin." Soluções O presidente concluiu o discurso dizendo que sempre foi um otimista e que ainda confia na capacidade da humanidade de criar novas soluções diante de novos desafios. "A solução não está em se proteger ou em tentar frear a demanda. A solução está em aumentar a oferta de alimentos, abrir mercados e eliminar subsídios de modo a atender à demanda crescente. E para isso é necessário uma mudança radical nas formas de pensar e atuar." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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