Maior seca em 60 anos deixa a Amazônia mais verde

Aumento da fotossíntese não garante que a floresta vá sobreviver à mudança climática, adverte cientista

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Por Carlos Orsi
Atualização:

A seca que atingiu a região amazônica em 2005, considerada a pior dos últimos 60 anos, não reduziu, mas reforçou o verde da floresta. A constatação, feita por meio de imagens de satélite, indica que a floresta foi capaz de aproveitar o aumento da radiação solar permitido pelo tempo seco - com menos nuvens para bloquear a luz do Sol - sem sofrer tanto com a falta de chuva. Isso não significa, no entanto, que a Amazônia seja imune à mudança climática trazida pelo aquecimento global.    "O padrão observado de recuperação intensa não contradiz o modelo savanização", diz o pesquisador Humberto Ribeiro da Rocha, do IAG da USP, um dos autores do trabalho que relata o aumento do verde, publicado na edição desta semana da revista Science. "Savanização" é o processo pelo qual a floresta  seria substituída por uma vegetação semelhante à do cerrado, por conta da mudança climática.   "A hipótese da savanização foi concebida com base em premissas de um estado de clima mais quente e seco que persistiria, e que o ecossistema estaria em equilíbrio com esse clima", explica. A seca de 2005 durou meses, enquanto que um equilíbrio entre vegetação e clima levaria décadas para se estabelecer.   Rocha especula que o aumento do verde em 2005, medido com base na área coberta de folhas e na quantidade de clorofila, mostra uma capacidade de reação da floresta, no médio prazo, que poderia funcionar como ponte para transformações estruturais de longo prazo.   Quanto à fonte da água que manteve as árvores vivas durante a seca, Rocha diz que "hoje já há evidências que as árvores da floresta tropical úmida na Amazônia acessam a água até pelo menos 10 metros de profundidade nos períodos de estiagem". Esse processo, diz o pesquisador, é auxiliado pelo solo, que tem capacidade de retenção de água - o que não é o caso, por exemplo, em um terreno arenoso.   No entanto, não há garantias de que esses reservatórios subterrâneos possam resistir indefinidamente.   "A persistir o padrão de secas sucessivas, a lógica é pensar que o reservatório disponível se esgote. Há um limite", diz Rocha. "Podemos pensar o mesmo se o clima se tornar de fato mais sazonal, com uma estação seca mais prolongada e quente".   O pesquisador lembra que os dados foram levantados em uma única seca excepcional: não se sabe o que aconteceria se o fenômeno tivesse se repetido em 2006.   No texto publicado na Science, os cientistas fazem, ainda, a ressalva de que o clima não é única ameaça que a floresta enfrenta em períodos de seca, destacando o "aumento dramático" da vulnerabilidade da floresta a ações de desflorestamento e a incêndios nas épocas de chuva escassa.  

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