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Marina de tipoia

Vencida 'por pontos, não nocaute' na votação do Código Florestal, ela vai levar sua luta ao MIT

Por Ivan Marsiglia - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Marina Silva encontrou o cirurgião plástico quarta-feira de manhã, no lobby do hotel Grand Hyatt, em São Paulo. Robert Rey, o Dr. Hollywood, de terno acetinado, echarpe vermelha e óculos de sol estilo "mosca", desfilava ao lado de uma loura com um metro de pernas. Por pouco não tromba com a miúda Marina, que descia do carro com seu coque religiosamente arrumado, envolvida num longo xale de renda branca. A ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência pelo Partido Verde (PV) reconheceu o astro do extravagante reality show da Rede TV!: "Outro dia mostraram a operação de uma moça que tinha os dentes todos tortos para a frente".

 

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Se Marina não estivesse tão apressada para mais um dos compromissos de sua insustentável agenda essa semana, talvez parasse para pedir a opinião do Dr. Rey sobre seu último problema de saúde. No dia 31, uma ressonância magnética feita no Hospital Sarah Kubitschek de Brasília revelou uma "ruptura parcial do músculo do braço direito". Desde então, ela o leva pendurado numa tipoia. Perguntada, atribui o ferimento à derrota na aprovação do novo Código Florestal pela Câmara dos Deputados, em 24 de maio - depois de um braço de ferro com representantes da bancada ruralista que lhe tomou dias e noites maldormidas. "Perdemos por pontos, não por nocaute", ergue o indicador esquerdo para ressaltar. "Ainda falta o segundo round no Senado e, se precisar, brigaremos por um veto da presidente Dilma."

 

A queda de braço na Câmara teve seu clímax quando o relator da matéria, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), tomou do microfone para dizer que o marido de Marina, o técnico agrícola Fábio Vaz de Lima, fazia contrabando de madeira. O destempero, Aldo admitiria depois, deveu-se ao diz que diz naquela sessão tumultuada, quando ouviu que Marina o acusara de fraude no Twitter. Na verdade, o piado em @silva_marina não tinha sido tão estridente: "Estou no plenário da Câmara. Aldo Rebelo apresentou um novo texto, com novas pegadinhas, minutos antes da votação. Como pode ser votado?"

 

Provação e romaria. A evangélica Marina não perdoa a ira de seu ex-colega de Esplanada. Foi ao Ministério Público Federal pedir investigação sobre si mesma e o marido para provar sua inocência. "Se estou sendo caluniada, alguém é caluniador", diz, abandonando por um instante a suavidade característica do seu olhar.

 

Pudera, os últimos dias foram de dura provação até para um ser, por assim dizer, evoluído como ela. Além das mudanças na lei ambiental - que, entre outros pontos criticados pelos verdes, vai anistiar quem ocupou e desmatou áreas ilegais até julho de 2008, facilitar o cultivo de plantações em áreas de proteção ambiental e isentar pequenas propriedades da obrigação de recompor suas reservas -, Marina viu o desmatamento na Amazônia voltar a crescer, após três anos consecutivos de queda no monitoramento feito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Comprovadamente, afirma ela, por causa da expectativa de tolerância no novo código.

 

Outro golpe foi a autorização, pelo Ibama, do início das obras da hidrelétrica de Belo Monte antes do cumprimento de todas as condições para o licenciamento - o que já está sendo contestado pelo MP. Mas o que mais abalou a acreana de 53 anos que virou ícone internacional da causa verde foi o assassinato do casal de militantes extrativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, no Pará. "Essa é a lógica: primeiro removem-se as leis e depois, as pessoas. Apesar da situação de risco em que viviam, os defensores da floresta pelo menos agiam em nome da lei. Morriam em defesa da lei. Daqui para a frente, talvez nem isso."

 

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Na agenda dos defensores da geração de riqueza a qualquer custo estariam, segundo Marina, a revisão das leis de proteção aos territórios indígenas e a desmontagem do sistema que cuida das unidades de conservação de áreas verdes em todo o País. "Armagedon" é a palavra que ela escolhe para descrever esse eventual cenário. "Seria a ‘chinesização’ do desenvolvimento no Brasil", esconjura. Contra isso, Marina deu início a uma romaria interminável.

 

Na segunda-feira, participou de um evento na Câmara Municipal do Rio e da tarde de autógrafos do livro de seu colega de partido Alfredo Sirkis. Na terça, foi ao lançamento do Comitê em Defesa das Florestas, na sede da OAB em Brasília. No mesmo dia, voou para o encerramento do Ethanol Summit em São Paulo. Na quarta, encontrou-se com a Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi, e deu uma entrevista para a agência internacional de notícias Bloomberg, também na capital paulista. Na quinta, falou num seminário sobre gestão para a sustentabilidade e posou para um editorial da revista Vogue - sobre as bijuterias artesanais que usa e ela própria confecciona, esclareça-se, antes que alguém lhe atribua o pecado da vaidade.

 

Tanta atividade não tem a ver apenas com sua aguerrida militância verde. Desde o fim da campanha de 2010, a ex-senadora vive de palestras que ministra a entidades privadas. Mas a proporção de atividade remunerada em sua agenda é pequena: não mais que duas por mês, segundo sua assessoria. Esquema mais profissional deverá ser montado após o lançamento do Instituto Marina Silva, que será financiado por doações de pessoas físicas e empresas interessadas em associar sua imagem à causa ecológica. No momento, Marina estuda um convite feito pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) para passar uma temporada em Cambridge no final do ano, transmitindo o seu know-how em projetos sustentáveis.

 

O reconhecimento de uma das mais importantes universidades do mundo é ainda mais extraordinário quando se leva em conta que Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, nascida na pequena comunidade de Breu Velho, no Acre, foi analfabeta até os 16 anos. Nessa idade, contraiu a primeira das três hepatites que debilitaram irremediavelmente sua saúde, agravadas por cinco malárias e uma leishmaniose. Foi camponesa, empregada doméstica e aprendeu a ler e escrever no Mobral. Mais adiante, formou-se em história e fez pós-graduação em psicopedagogia.

 

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A paixão pela política e pela natureza foi despertada pelo amigo e líder seringueiro Chico Mendes - assassinado em dezembro de 1988, em um crime que chocou o País. Filiada ao PT, Marina se elegeu vereadora, deputada estadual e tornou-se a senadora mais jovem da história em 1994, com 36 anos. Convidada por Lula, chefiou o Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008, período em que o desmatamento anual da Amazônia caiu de 27 mil km² para menos de 7 mil km². Resultado obtido com fiscalização e criação de novos parques. "Foram apreendidos na época cerca de 1 milhão de metros cúbicos de madeira ilegal. Isso equivale a uma fila de caminhões carregados de toras de São Paulo até o Rio de Janeiro", lembra.

 

Pressões políticas inclusive internas, por parte de colegas de ministério - Reinhold Stephanes (Agricultura) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) são dois que ela não se furta de citar -, minaram seu poder de ação. E Marina demitiu-se, primeiro do governo, depois do PT. Os 20 milhões de votos que conquistou nas eleições mostraram que ela não falava sozinha.

 

Nessa semana politicamente complicada em que o governo perdeu seu homem forte na Casa Civil, Marina declarou que a situação de Antonio Palocci era mesmo insustentável: "Quando começaram as denúncias, a primeira coisa que pensei foi que a Dilma precisava encontrar a Dilma dela". Sobre a Dilma escolhida, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), é cautelosa: "Eu a conheço, mas não intimamente. Ela defende a dispensa da recuperação de reservas em propriedades de até quatro módulos fiscais, cerca de 80 hectares, do que discordo. O que vai acontecer é a fragmentação de grandes propriedades em menores para burlar a lei."

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Marina pretende ser candidata novamente em 2014? "A gente não pode querer aprisionar o sucesso. Sou militante socioambiental e os votos que tive são da sociedade. A minha aliança é com ela." Mas sorri quando o interlocutor avança no exercício de adivinhação e pergunta se estaria disposta a enfrentar nas urnas seu antigo padrinho, Lula. "Não vamos falar no que é eventual."

 

Com outra entrevista agendada para segunda-feira na capital paulista, Marina Silva teve que se resignar em passar o dia dos namorados longe do marido, que trabalha no governo estadual, em Rio Branco. Quando as agendas permitem, os dois gostam de cozinhar e comer juntos. Ela conta que a última vez que Fábio chegou de viagem ganhou dela um sorriso - ampliado consideravelmente quando ele exibiu o pacote de farinha de mandioca com coco de Cruzeiro do Sul, iguaria da região norte do Acre, que lhe trouxera de presente. "Você ficou mais feliz com a farinha do que comigo", choramingou o marido. Dores de amor.

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