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Maus tratos na Fundação Casa

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Por Redação
Atualização:

Criada há quatro anos com o objetivo de melhorar as condições de atendimento de menores e adolescentes no Estado de São Paulo, a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa) está enfrentando os mesmos problemas de maus tratos que levaram ao fechamento da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). As denúncias de que os internos estão sofrendo violência física e psicológica partiram de oito entidades defensoras de direitos humanos, das quais as mais conhecidas são a ONG Conectas, a Comissão Teotônio Vilela, o Instituto Pro Bono e o Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito. Depois de fiscalizar 12 unidades da Fundação Casa, essas entidades elaboraram um documento de 70 páginas que foi encaminhado há três meses para o secretário de Justiça, Luiz Antonio Marrey, e para o governador José Serra. A maioria das unidades fiscalizadas está ligada aos Complexos Raposo Tavares, Vila Maria e Brás, onde vivem 905 dos 6.581 jovens abrigados pela Fundação Casa. Baseado em depoimentos de adolescentes e em relatórios das equipes de fiscalização, o documento menciona casos de adolescentes trancafiados em solitárias, de jovens com profundos cortes na cabeça decorrentes de brigas com funcionários, de falta de higiene e de assistência médica adequada. Em algumas unidades os jovens são medicados com psicotrópicos. Um dos internos contou que usava sacolas plásticas de supermercado no lugar de bolsa de colostomia. Segundo o relatório, três semanas antes da fiscalização 20 adolescentes do Complexo Vila Maria teriam ficado das 7 às 21 horas sem roupa, sentados no chão, com a cabeça baixa entre as pernas, sendo seguidamente agredidos pelos funcionários. O documento também menciona o caso de um adolescente que teria passado dez dias consecutivos em isolamento, de cueca e sem colchão e banheiro. O texto informa ainda que, numa das unidades do Complexo Raposo Tavares, há adolescentes que fazem suas necessidades em embalagem de marmitex e que um jovem isolado, por ser alvo da ameaça de outros internos, passou três semanas dormindo embaixo de uma escadaria. Em resposta ao documento, o secretário de Justiça distribuiu nota na qual se compromete a abrir sindicâncias, condena o uso da violência e enfatiza a redução do número de rebeliões, que despencaram de 80, em 2003, para 1, em 2009. O secretário também se comprometeu a dar satisfações aos autores do relatório, reclamando, no entanto, que o documento tivesse chegado à imprensa antes que pudesse concluir as apurações. "Todos os envolvidos devem ser ouvidos, não podendo a conclusão se basear exclusivamente na visão unilateral de qualquer parte", diz a nota.Independentemente das providências que o secretário de Justiça já tomou e irá tomar, as denúncias contra a Fundação Casa são graves e mostram que a política adotada pelo governo estadual para aplicar as medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda não surtiu os efeitos esperados. Entre outras inovações, essa política prevê a colocação dos internos em unidades menores e mais próximas às famílias. Os especialistas afirmam que essa estratégia só dará certo quando as autoridades conseguirem superar a cultura da violência que existe no tratamento dos adolescentes infratores. Para eles, o ECA ainda é visto com enorme resistência por parte dos funcionários da Fundação Casa. Os especialistas também consideram importante o repasse de algumas das funções da entidade para as prefeituras - medida que começou a ser implantada no início do ano, uma vez que o envolvimento da comunidade é considerado decisivo para recuperar jovens problemáticos e assegurar sua inclusão social. Mas lembram que a estratégia demora para dar resultado. Em termos de política para o setor, o governo estadual parece estar no rumo certo. O problema está na parte operacional - como o documento das entidades defensoras de direitos humanos deixa claro. Se não se mudar o quanto antes a mentalidade dominante no sistema de atendimento a jovens em situação de conflito com a lei, o risco é de que a Fundação Casa acabe se convertendo numa nova Febem.

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