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Opinião|Montando pela esquerda

Meu tio Micha era juiz em Bragança Paulista. Um dia me levou para buscar um cavalo que tinha comprado. O vendedor morava em Atibaia, bem pertinho do local onde o Lula não tem um sítio. Quando eu ia subir no cavalo, avisou: os cavalos gostam de ser montados pela esquerda. Me arrependo, não pedi explicações. Seria uma convenção do hipismo ou teria esse hábito alguma razão biológica? 

Atualização:

Hoje me deparei com uma descoberta científica surpreendente. Parece que os cientistas descobriram por que os cavalos preferem ser montados pela esquerda.

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O estudo tinha como objetivo determinar se os cavalos são capazes de distinguir as emoções expressas na face de seres humanos. Nós temos a capacidade de saber, simplesmente observado a face de outra pessoa, se ela está alegre ou raivosa. Essa capacidade, essencial para a comunicação entre humanos, parece também existir entre mamíferos da mesma espécie. Mais recentemente, foi demonstrado que os cachorros são capazes de identificar emoções nas faces das pessoas e agir de acordo com essa percepção. É o campo da comunicação entre indivíduos de espécies distintas, muito em moda.

O estudo foi feito com 28 cavalos de estrebarias de Sussex e Surrey, na Inglaterra. Cada animal recebia um monitor cardíaco e era levado a um piquete puxado por um treinador. O cavalo era colocado de frente para uma câmara de filmagem e deixado lá por quatro minutos, até que seu batimento cardíaco se estabilizasse.

Então uma pessoa carregando um cartaz com a foto de uma face humana entrava no piquete e se colocava na frente do cavalo. A foto podia ser de uma pessoa risonha, amigável, ou da mesma pessoa fotografada com uma cara de raiva, ódio. A pessoa ficava a um metro do cavalo por dez segundos, se aproximava dez centímetros do cavalo por dez segundos, e voltava para a posição original por outros dez segundos. Depois se retirava. A imagem era sempre apresentada bem na frente do cavalo, exatamente na região onde o campo visual dos dois olhos se sobrepõe. Durante todo esse procedimento, e nos minutos seguintes, todos os movimentos do cavalo eram filmados e a frequência do batimento cardíaco, registrada. O procedimento era repetido com a outra foto. Tudo isso foi repetido duas vezes com cada cavalo, num intervalo de dois meses.

A análise dos resultados mostra que, sempre que o cavalo observa uma cara raivosa, seu batimento cardíaco aumenta rapidamente e ele vira a cabeça para colocar a imagem no campo visual do olho esquerdo e, dessa maneira, enviar a imagem para o córtex cerebral direito (os nervos ópticos se cruzam). Quando a imagem é de uma face sorridente, o batimento cardíaco aumenta pouco e a rotação da cabeça não ocorre.

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Segundo os cientistas, esses resultados demonstram que os cavalos são capazes de distinguir faces amigáveis das agressivas. E se as faces são agressivas ou causam apreensão, elas são deslocadas para o campo visual esquerdo e processadas pelo hemisfério direito.

Esse resultado não só demonstra que os cavalos conseguem reconhecer uma face ameaçadora, mas também preferem processar essa potencial ameaça com o hemisfério direito e para isso colocam a imagem no campo visual esquerdo. Quando um ser humano vai montar um cavalo, esse ato provavelmente provoca apreensão no animal e ele, naturalmente, prefere acompanhar a façanha humana com seu olho esquerdo. Talvez seja por isso que ao longo dos séculos os homens descobriram que os cavalos ficam mais tranquilos quando selados e montados pelo lado esquerdo.

Passaram-se décadas, meu tio morreu, e de vez em quando a frase me volta à cabeça. Geralmente quando vejo pessoas montando cavalos. Mas também em outros contextos, fruto da atividade certeira do subconsciente. Certa vez, numa tarde melancólica, assistia sozinho ao julgamento do mensalão. As togas trouxeram Micha de volta, e sorri sozinho lembrando que seres humanos, às vezes, se deixam montar pela esquerda.

MAIS INFORMAÇÕES: FUNCTIONLLY RELEVANT RESPONSES TO HUMAN FACIAL EXPRESSIONS OF EMOTION IN THE DOMESTIC HORSE (EQUUS CABALLUS). BIOL. LETT. VOL. 12 PAG. 20150907 2016

Opinião por Fernando Reinach
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