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Mutação protege contra Alzheimer

Portadores de alteração genética têm menos risco de desenvolver doença e melhor desempenho cognitivo, diz estudo da 'Nature'

Por Mariana Lenharo
Atualização:

Pela primeira vez, pesquisadores encontraram uma mutação genética que confere forte proteção contra o Alzheimer. A descoberta, publicada hoje na revista científica Nature, pode orientar futuras pesquisas sobre mecanismos de prevenção e tratamento da doença, até hoje sem cura. Caracterizado pela perda de memória, da capacidade de realizar tarefas cotidianas e pela degeneração das funções motoras, o Alzheimer se manifesta no cérebro pela presença de placas senis entre os neurônios e pela formação de emaranhados da proteína tau no interior da célula nervosa.As placas senis são compostas pela proteína beta-amiloide. E foi no gene da proteína precursora de beta-amiloide (APP) que os cientistas encontram a mutação genética A673T, protetora contra o Alzheimer. O estudo, liderado pelo pesquisador Kari Stefansson, da Faculdade de Medicina da Universidade da Islândia, constatou que, além de apresentar menos risco de ter a doença, os idosos portadores da mutação tiveram desempenho cognitivo superior aos demais.O estudo também mostra que, em testes feitos em laboratório, a presença da mutação garantiu uma redução de 40% na produção da proteína beta-amiloide.Para chegar a esse resultado, os pesquisadores analisaram o genoma de 1.795 pessoas. O grupo controle - composto por idosos com mais de 85 anos que não apresentavam declínio cognitivo - teve uma probabilidade 5,29 vezes maior de apresentar essa mutação em comparação aos portadores da doença. Embora a mutação seja rara - estava presente em 0,62% dos idosos saudáveis e em 0,13% dos pacientes com Alzheimer - o caráter protetor contra a doença foi considerado forte.Repercussão. Para o neurologista e geneticista David Schlesinger, do Hospital Israelita Albert Einstein, trata-se de um resultado relevante por ser a prova de que a inibição da divisão da proteína APP previne o surgimento do Alzheimer."Essa é a evidência de que todos os tratamentos em pesquisa que são focados em inibir esse mecanismo têm grande chance de funcionar. É um resultado superinteressante, que também tem outro aspecto: ele valida a prática de sequenciar genomas para encontrar variantes relevantes para doenças comuns." Para o neurologista Arthur Oscar Schelp, professor da Unesp, a pesquisa traz um avanço importante, porém a perspectiva de um novo tratamento com base nessa descoberta deve ser vista com cautela, já que pode demorar ainda alguns anos até que se concretize. Segundo ele, o principal trunfo do estudo foi conseguir constatar, em experimentos em laboratório, a inibição da formação da proteína APP, que leva à composição das placas senis que provocam a doença."Há uma expectativa de que consigam, eventualmente, achar um jeito de curar as pessoas antes mesmo de desenvolverem a doença", diz Schelp. Ele acrescenta que já existem pelo menos oito alterações genéticas identificadas que caracterizam um risco maior para o desenvolvimento do Alzheimer. Mas, enquanto não houver alternativas disponíveis para impedir o surgimento da doença nesses casos, não adianta fazer exames para obter essas informações.Schlesinger acrescenta que os testes genéticos atualmente disponíveis nem teriam a capacidade de prever um risco maior para a doença, porque ela também depende de vários fatores ambientais e comportamentais.Hoje, o tratamento disponível para a doença de Alzheimer é sintomático: apenas promove a melhora de algumas funções do cérebro lesadas pela doença, mas não atua na origem do problema.

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