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Natalão

Colunista coomenta as origens do 'Boxing Day', o feriado de 26 de dezembro.

Por Ivan Lessa
Atualização:

É costume dizer-se que a língua inglesa não tem o equivalente ao nosso "ão". Sim, os britânicos aumentam. Fazem-no, entretanto, com muita classe e demonstrando um belo "jogo de ouvidos". "o", admitamos, dói nos tímpanos. Usam "big" ou "great". Se eles tivessem arrastão nas praias, ruas e rodovias (o de gente armada assaltando e não o de peixe) chamariam-no de "big hold-up" ou "great robbery". Se é para ser canalha, tudo bem, mas que o seja com classe, como teria dito Oscar Wilde. Esta breve dissertação a respeito de um sufixo vem a próposito do dia 26 de dezembro. Dia que não é feriado no Brasil. Simplesmente se enforca. Como aqui em Londres se enforcava em Tyburn, aldeia próxima a Londres onde durante seis séculos executava-se quem, na época, pessoas esclarecidas achavam que merecia o terrível castigo. Depois vieram outros esclarecidos e em 1965 acabaram com a pena de morte. O que não quer dizer que pararam de enforcar. Pelo menos no sentido aqui abordado: enforcar dias. Semanas, meses, em casos extremos. Tenho a absoluta certeza de que, na terra que me viu nascer, e ficou parada sem se meter, estão enforcando adoidado nesta época do ano. Pelos meus cálculos, creio que os trabalhos para o ano de 2008 foram encerrados, com boa vontade, na terça-feira, dia 23 de dezembro, ou, com uma pitada de realismo, na sexta, dia 19. E, como naquele filme com o Anthony Quinn, foram todos para a praia. Praias do mundo inteiro. Bobeou e deve ter tido até pateta dando uma chegadinha (nessas horas partimos humildemente para o diminutivo) a Blackpool, balneário cafona aqui da Inglaterra. Agora só se volta ao batente - continuo calculando - no dia 5 de janeiro de 2009. Alegres, bem dispostos, atrasados e largando o batente cedinho. Sim, sou um pessimista. Estendi-me demais. Eu falava em "enforcar", em "feriadão". Duas de nossas especialidades, juntamente com o munguzá e a caipirinha. Pois bem, o que há, e eu me desviei do assunto, como evitando atropelar o flanelinha que me cerca o carro, o que há, repito e enfatizo, é que aqui também se brinca em serviço. Quer dizer, não se vai ao serviço. Aí está, e esteve a sexta-feira, dia 26 de dezembro. Feriado. Tudo fechado. À exceção das liquidações, que, afinal, ninguém é de ferro. "Boxing Day" como é secularmente chamado. Tudo aqui é secular. Tudo aí é semanal. "Boxing Day". Há várias explicações, todas folclóricas, para suas origens. Segundo alguns, vem das "boxes", as caixas, onde as igrejas aceitavam óbulos para os pobres. Segundo outros é porque os privilegiados, depois de farrearem no Natal, e se entupirem de comida até não poder mais, botavam os restos numas caixas e distribuiam entre os destituídos -- ou seja, 80% da população. Uma terceira hipótese, que os estudiosos descontam, é que vem das comilanças e principalmente beberragens desta época do ano. Comiam, bebiam, acordavam no dia 26 com uma ressaca (ressacão, diríamos nós) que não era brincadeira e, sempre belicosos, como todo inglês que se preza, saiam pelas ruas em busca de porrada. Passou na frente, levava uma. E recebia outra. Nasceu daí - repito e sublinho: dizem - o nobre esporte do boxe. Com o fim do império, e a codificação das sacanagens, resolveram que "Boxing Day" era algo muito bonito e generoso, bem ao espírito da natalina ocasião. Quem dá aos pobres empresta a Deus, diz o vulgo. Quem cobre de porrada os pobres empresta um mau nome aos ricos. Melhor é ir de jogo da pirâmide financeira e dar estouros nas praças bancárias mundiais. Dá menos bolo. Ou "bolão". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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