Novo papa enfrentará mudança cultural na América Latina

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Por PAULO PRADA
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Enquanto uma multidão de foliões fantasiados celebrava o Carnaval na segunda-feira, um grupo de pessoas decididamente mais sóbrias entrava na Nossa Senhora da Paz, uma igreja católica a dois quarteirões de uma praia lotada no Rio de Janeiro. Enquanto os fiéis oravam, os foliões lá fora bebiam cerveja, batucavam e flertavam na festa tão conhecida por sua sensualidade, em que as autoridades locais distribuem camisinhas gratuitamente. Verdade seja dita, a cidade nem sempre é tão louca quanto na época do Carnaval. Também é verdade que a igreja quase vazia, um dos poucos lugares tranquilos no Rio nesta semana, atrai a um rebanho cada vez menor de fiéis católicos. O Brasil tem uma das maiores populações católicas do mundo, mas a Igreja está perdendo sua influência de forma constante, aqui e em toda a América Latina. "Não há nada de errado em se divertir", diz Henrique Pereira, um empresário de 35 anos que deixava a igreja depois de uma oração. "Mas eu queria que as pessoas valorizassem a fé e a Igreja da mesma forma". Esse é o cenário que aguarda o sucessor do papa Bento, que anunciou na segunda-feira que iria renunciar. Se o seu objetivo for reter os fiéis católicos ou mesmo atrair novos fiéis em uma região que passa por uma profunda mudança econômica, social e cultural, um novo pontífice deve encontrar maneiras de casar a doutrina com os estilos de vida contemporâneos latino-americanos. Embora a região ainda abrigue mais católicos do que nenhuma outra, 42 por cento dos 1,2 bilhão de fiéis no mundo, os números vêm diminuindo nas últimas décadas. À medida que a América Latina fica mais próspera, mais urbana e mais educada, as pessoas são menos dóceis a uma religião que já exerceu um controle firme sobre os crentes em locais tão diversos como os pampas argentinos e os "pueblos" do norte do México. "A América Latina está ficando mais parecida com o resto do mundo ocidental, e nesse sentido, menos homogênea com relação à fé", disse Fernando Altemeyer, um professor de teologia da Universidade Católica de São Paulo. "Há mudanças na sociedade daqui que dificultam que uma única fé ou crença domine". A transformação, é claro, está acontecendo em outros lugares também, à medida que o crescimento em grandes economias emergentes dá voz a milhões que eram segregados pela pobreza, geografia e pelas críticas sociais. UM NOVO PAPA Há muito tempo a América Latina vem sendo um reduto católico, e há rumores crescentes de que o novo papa possa vir da região, um reconhecimento de sua importância dentro da Igreja. As diferenças teológicas internas da Igreja frequentemente estiveram representadas na América Latina. De fato, como cardeal, o papa Bento XVI reprimiu uma rebelião entre aqueles na Igreja latino-americana que apoiavam a chamada teologia da libertação, um movimento de tendência esquerdista centrado em ajudar os pobres. Junto com outras tensões, a rixa foi mais tarde agravada pelo crescimento recente das igrejas evangélicas. Para muitos na América Latina, as igrejas evangélicas são atraentes porque pregam o sucesso e a prosperidade nesta vida, em oposição ao sacrifício e a luta que os católicos aprendem a suportar. Muitos fiéis também dizem preferir os pastores evangélicos, que trocaram as túnicas e rituais da missa católica por trajes casuais e sermões livres. Cientes dessa mudança, alguns líderes católicos na América Latina vêm tentando pressionar a Igreja para se modernizar. (Reportagem adicional de Helen Popper em Buenos Aires e Mitra Taj em Lima)

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