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O Facebook e o império da lei

Por se recusarem sistematicamente a cumprir ordens judiciais em investigações que envolvem o crime organizado e o tráfico de drogas, dirigentes do Facebook – empresa proprietária do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp – enfrentam problemas com a Justiça brasileira. Desta vez, o vice-presidente da empresa para a América Latina, Diego Dzodan, foi preso preventivamente por um juiz criminal de Lagarto, em Sergipe, por não colaborar com a Justiça Federal, enviando cópia das conversas travadas por traficantes pelo WhatsApp, para fundamentar um processo que corre em segredo de Justiça.

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Por Redação
Atualização:

Pelo mesmo motivo, há dois meses e meio uma juíza de São Bernardo do Campo obrigou as operadoras de telefonia a bloquear por 48 horas o aplicativo. Como no caso do executivo preso, aquela decisão foi proferida numa ação penal movida contra um homem acusado de latrocínio e tráfico de drogas. A polícia e o Ministério Público, que têm recorrido cada vez mais à web em suas investigações, querem os dados para rastrear os principais envolvidos nesses delitos. A juíza alegou que por duas vezes pediu ao Facebook que enviasse o teor das mensagens trocadas pelo investigado e que as informações não foram liberadas. Só em multas, a empresa deve R$ 12,7 milhões aos cofres públicos, por desrespeitar decisões judiciais.

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Em sua defesa, os dirigentes do Facebook alegam que não podem repassar os dados solicitados por juízes, porque não os armazenam. Também afirmam que, apesar de ter escritório e equipe de vendas no Brasil, o WhatsApp é uma empresa juridicamente separada do Facebook e submetida à legislação do Estado da Califórnia, nos EUA, onde se encontram seus servidores e sua rede – portanto, a liberação de informações só poderia ser autorizada por tribunais americanos. Argumentam, ainda, que adotaram a política de não cumprir determinações judiciais por entender que elas violam o direito de sigilo dos usuários do WhatsApp. Por fim, alegam que “decisões extremas” – como bloqueio de mensagens e a prisão de executivos – não devem ser tomadas por juiz singular.

Essas decisões, contudo, são previstas pelo Marco Civil da Internet, que regulamenta o funcionamento das comunicações eletrônicas no País. Em vigor há dois anos, o Marco Civil foi elaborado com o objetivo de garantir a privacidade das comunicações eletrônicas, proteger a liberdade de expressão dos internautas e assegurar um “ambiente democrático” nas redes digitais. Mas é taxativo ao estabelecer que essas garantias não são absolutas, conferindo ao Judiciário a prerrogativa de determinar às empresas do setor que enviem informações pedidas para auxiliar em investigações policiais. Ao descumprir decisões judiciais, a empresa proprietária do WhatsApp está afrontando as instituições de direito do Brasil.

A direção do Facebook se esquece de que, apesar da natureza transterritorial da internet, a empresa precisa estar matriculada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e ter endereço formal para oferecer serviços no Brasil. E isso a obriga a respeitar a legislação nacional, mesmo que sua base de operações esteja em outro país. Viabilizadas por operações de conexão espalhadas por todo o mundo, os sistemas de informação da internet transcendem fronteiras. Contudo, não são inimputáveis do ponto de vista jurídico.

No âmbito da economia globalizada, em outras palavras, personalidade jurídica, infraestrutura e usuários não precisam estar num mesmo país. Mas isso não significa que a controladora do WhatsApp possa ignorar a soberania e a ordem jurídica dos Estados. Onde quer que atue, ela tem de cumprir leis nacionais e respeitar poderes instituídos.

Bloqueios preventivos e prisão de executivos de empresas por juízes singulares podem ser medidas drásticas, como alega a empresa proprietária do WhatsApp. Mas são necessárias quando esses executivos se imaginam acima da soberania das nações e de suas leis. Não deixa de ser irônico que o vice-presidente do Facebook tenha precisado invocar essas leis para deixar a prisão.