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Pais de menina morta sem transfusão vão a júri

O casal e um médico amigo da família serão julgados por homicídio doloso da menina de 13 anos; Testemunhas de Jeová, eles rejeitaram tratamento

Por Andrea Vialli
Atualização:

Por 3 votos a 2, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram ontem mandar a júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar) os pais de Juliana Bonfim da Silva. Testemunha de Jeová, ela faleceu em 1993 após a família não permitir uma transfusão de sangue. Juliana sofria de anemia falciforme e morreu aos 13 anos, após ser hospitalizada por causa de uma crise de obstrução dos vasos sanguíneos. Os pais da menina, o militar da reserva Hélio Vitório dos Santos, de 68 anos, e a dona de casa Ildemir Bonfim de Souza, de 57, não autorizaram a transfusão de sangue que poderia ter salvo a vida da garota. O médico e amigo da família José Augusto Faleiros Diniz também foi denunciado, pois teria ameaçado colegas caso desrespeitassem a vontade da família. Não foram acusados no processo os médicos que trataram da menina no hospital.O grande nó do processo é se os pais assumiram o risco da morte da filha e não se importaram - o chamado dolo eventual - ou se a opinião deles não deveria ter sido levada em conta pelos médicos que cuidaram de Juliana no hospital São José, em São Vicente, no litoral paulista. A procuradora da Justiça Lígia Maria Martins afirmou que existem "provas inequívocas" de que os pais impediram a conduta médica, o que comprova o nexo de causalidade com a morte da vítima.Em seu artigo 22, o Código de Ética Médica em vigor prevê que é vedado ao médico "deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte". Da mesma forma, a resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina orienta o médico a praticar a transfusão de sangue, mesmo sem consentimento dos responsáveis, em caso de risco de morte do paciente.Votação. Os desembargadores Souza Nery e Nuevo Campos votaram a favor da absolvição do casal, enquanto os desembargadores Roberto Midolla (relator), Francisco Bruno e Sérgio Coelho mantiveram a decisão de primeira instância, a de mandá-los ao Tribunal do Júri."Esse é um dos processos mais difíceis que analisei. Com peso no coração, mantenho o voto pelo casal e o médico irem a júri", afirmou o desembargador Francisco Bruno. "A culpa dos médicos que não fizeram a transfusão de sangue não afasta os erros dos pais nesse caso", argumentou o magistrado.Nuevo Campos, que votou a favor dos pais, disse que os médicos não deveriam ter deixado de realizar a transfusão, a despeito da falta de consentimento do casal. "A maior prova de que os pais se importavam com a vida da menina é que eles a levaram ao hospital para ser tratada."Decisão. O advogado do casal, o criminalista Alberto Zacharias Toron, classificou a decisão do TJ como "atroz e desnecessária". "É jogar aos leões os pais, já muito fragilizados pela perda da filha", disse. Ele reitera que, embora fosse menor e incapaz, a decisão da própria Juliana foi de não permitir a transfusão de sangue, por também pertencer à seita Testemunhas de Jeová. Toron afirma que vai recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).CRONOLOGIAMorte foi em 1993Julho de 1993Menina morreJuliana Bonfim da Silva, de 13 anos, que sofria de anemia falciforme, morre sem que seus pais, apoiados por um médico amigo da família, permitissem que ela recebesse transfusão de sangue.1997Promotoria denunciaOs três são denunciados por homicídio doloso.Junho de 2006Sentença em 1ª instânciaEm decisão de primeira instância, a Justiça ordena que o caso vá para júri popular.OntemNova decisãoPor 3 votos a 2, o Tribunal da Justiça de São Paulo corrobora decisão anterior.

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