Palco do PAC, Ouro Preto corre risco de ruir

Segundo estudo, todos os bens históricos estão comprometidos

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Por Rodrigo Brancatelli
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Os ponteiros do relógio lá no alto da Igreja São Francisco de Paula, em Ouro Preto (MG), estão parados às 2 horas e 3 ou 4 minutos. Ninguém sabe ao certo em que dia, mês ou ano ele realmente parou - a única coisa que todos os moradores e turistas percebem é que o tal relógio pintado de ferrugem não marca mais a passagem do tempo, mas a lenta degradação e o abandono dos monumentos da cidade mineira. A cúpula da igreja, de tão enegrecida pela sujeira, insinua ter saído de um grave incêndio. Infiltrações imensas pintam as paredes, enquanto cupins devoram talhas, altares e o forro. Não é que as horas tenham parado ali no relógio da São Francisco de Paula. Parece, na verdade, que foi o relógio que desistiu de contar o efeito do tempo. Considerada pela Unesco como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade e palco do lançamento na semana passada do PAC das Cidades Históricas, Ouro Preto talvez seja o exemplo mais claro e triste sobre o que é o descaso com a memória do País. Duas igrejas históricas estão fechadas para os visitantes, pois correm o risco de ruir. Outras duas estão em restauro e não têm data certa para abrir. E absolutamente todas estão com infiltrações, sujeira e até sem pintura em alguns trechos das paredes.Um estudo da Universidade Federal de Viçosa (UFV) traça um panorama ainda mais deprimente - 100% das edificações históricas da cidade estão infestadas por cupins e carunchos e podem desaparecer em até 20 anos. "Mesmo as pinturas e esculturas de Manuel da Costa Ataíde e de Aleijadinho estão com cupins e podem ser destruídas", diz Noriovaldo dos Anjos, professor do Departamento de Biologia Animal da UFV e responsável pelo estudo que levou quase uma década para ser finalizado. Durante as pesquisas, ele também encontrou mais de cinco tipos de cupins em imóveis e igrejas de outras cidades históricas mineiras, como Mariana, São João del Rey, Tiradentes e Congonhas."Fizemos uma pesquisa em todas as edificações. É um problema que assola o patrimônio do Brasil inteiro. Em Salvador, 2 mil imóveis estão com cupins. Já em São Luís (Maranhão), esse número sobe para 3 mil. Se nada for feito, eles vão ruir, como muitos já ruíram por aí, porque as estruturas de madeira ficam extremamente fragilizadas", conta o pesquisador.Em Ouro Preto, o forro de uma igreja e os tetos de um casarão e de uma escola de fato ruíram. Como o barroco brasileiro é feito quase totalmente de madeira, especialistas calculam que até 20% do acervo local já está totalmente condenado. "Aqui você vê cupins o tempo todo nas paredes das igrejas; eles fazem uns caminhos de cima a baixo", conta o guia Napoleão Gonçalves, de 60 anos, com sua surrada camisa do Atlético Mineiro, que desde 1975 sobe e desce com passos rápidos as ladeiras de Ouro Preto. "Eu até lembro quando o relógio da Igreja São Francisco de Paula funcionava, mas faz tempo que a situação está feia. Isso aí é vandalismo." O Ministério Público mineiro requisitou o estudo do professor Noriovaldo dos Anjos para estudar possibilidade de uma ação pública e interdições emergenciais. Mas há ainda um sem-número de problemas na região, além dos cupins. Em Mariana, por exemplo, a 10 quilômetros de Ouro Preto, infiltrações no solo e o tráfego pesado de caminhões fizeram com que a Igreja Nossa Senhora do Rosário entortasse visivelmente. Ainda em Mariana, a Igreja da Nossa Senhora Auxiliadora parece sepultada sob o mato alto. "Sinceramente, eu fiquei com dó", resume a médica Angélica Aparecida Santos Cruz, que mora em Guarulhos e há uma semana percorria as Cidades Históricas mineiras pela primeira vez. "Dá para ver infiltração, paredes descascadas, falta de sinos, sujeira. Parece que nem limpam os lugares. E não é só em Ouro Preto, é por toda a Estrada Real, está tudo degradado. As igrejas nem têm mais cara de antigas, elas parecem velhas e abandonadas."

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