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Paris reabre salões para Miles Davis

Até janeiro, mostra refaz toda a trajetória musical do genial trompetista americano

Por Andrei Netto , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

Miles Davis está de volta a Paris. Seis décadas depois de passar pelos palcos do Olympia e do Club Saint-German, salas cuja mística ajudou a construir, o jazzman norte-americano está em cartaz até 17 de janeiro na Cité de la Musique, na maior exposição monográfica já realizada em seu tributo. Trata-se de um apanhado cronológico da vida do trompetista, do prólogo em Saint-Louis à decadência do star system e a seu renascimento incompreendido nos anos 1980, quando flertava com as novas faces do pop. We Want Miles narra a vida e a diversidade musical do jazzman morto em 1991 a partir de sua erupção no cenário do be bop, nos anos 40, até sua interação com o hip hop, meio século mais tarde. Para tanto, traça as evoluções e revoluções de sua carreira, de seu primeiro trompete, aos 10 anos, ainda em Saint Louis, passando pelas aulas de música com Elwood Buchanan e pela inspiração em composições de Erskine Hawkins e de Jimmie Luceford, sucessos de 1939.A exposição apresenta Miles Davis como um jovem orgulhoso de sua origem negra, aberto à integração com a sociedade branca, consciente de seus talentos e seguro o suficiente para extrair o máximo de parcerias e amizades com ícones de vanguarda em sua época, como Dizzy Gillespie e Charlie Parker, The Bird. Aborda, em capítulos, fragmentos de sua história pessoal, como a transferência para Nova York, em 1944, a passagem marcante por Paris, em 1949, a formação da banda de 1957 - com Barney Wilen, Pierre Michelot e Kenny Clarke - e a trilha original de Ascensor para o Cadafalso, primeiro longa de Louis Malle. Mostra ainda o mergulho nas drogas e a retomada da consciência, nos anos 50, a relação intensa com Gil Evans e a descoberta de um jazz mais intuitivo, livre e nervoso ao lado de Herbie Hancock, Tony Williams, Ron Carter e Wayne Shorter, nos anos 60."Fizemos um mergulho no universo e na vida de Miles Davis. Seguir sua cronologia era o mais simples e evidente a ser feito", disse ao Estado o jornalista e crítico musical Vincent Bessières, curador da mostra. "Não podemos falar de jazz sem falar em Davis. E nada nos parecia mais importante do que apresentarmos as vias que ele percorreu, suas perspectivas sobre a música, a riqueza de seus arranjos e improvisações, seus códigos coletivos, sua abertura à música popular, ao rock, ao pop, ao funk e ao hip hop." Entre os méritos da mostra parisiense, está o desapego de seus organizadores pelo culto de objetos do artista. Há uma profusão de fotografias e imagens, e é possível encontrar partituras do arquivo pessoal, como Gone Gone Gone e Boat that"s Leavin", de Gil Evans, instrumentos como o trompete que usou entre 1957 e 59 e até bilhetes sobre o acerto de contas pela trilha do filme de Malle, trocados com seu empresário. Mas a exposição vai além, agregando à reverência a oportunidade da descoberta ou da simples fruição. Entre os visitantes, não são raros os jovens que se rendem à maestria e, sentados no chão, conectam seus fones para conhecer o mito.A mostra marca também uma espécie de redescoberta do músico na Europa. Um catálogo completo, shows de alguns de seus companheiros de palco - como Jimmy Cobb, Wayne Shorter, Dejohnette, Dave Liebman e Marcus Miller -, documentários e um cofre serão lançados em novembro, quando se completam 60 anos de sua primeira, e pioneira, passagem por Paris.

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