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Presidente, o que não dizer na ONU

Por Fabrício H. Chagas Bastos
Atualização:

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite No último dia 18, Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, escreveu neste Estadão um artigo pontuando o que Dilma Rousseff tem/teria a dizer na histórica 70ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU 70). Longe de querer polemizar com o colega, me disponho a girar a moeda, olhando seu anverso para enxergar o que a presidente não deve dizer ante o mundo. Noves fora a pretensão de marretar sua dura cabeça com conselhos, presidente, peço que tome o antiácido diário (hábito comum sob seu mentor) e perca alguns minutos com as linhas a seguir. Casarões lembra que os críticos poderiam argumentar “que o momento é impróprio para que a presidente dedique seu tempo e energia ao discurso das Nações Unidas. Mas talvez esta seja uma importante oportunidade para que se valorizem, perante o mundo, os aspectos positivos de um governo já bastante desgastado”. Presidente, por favor, esqueça a parte dos “pontos positivos”: sua reação à política externa de Lula, que chamo de autonomia por inércia, chegou ao ponto de repouso, e não mais como uma tendência de movimento continuado.  Pior, “Dilma terá que provar que valoriza os temas internacionais”. Se com a política econômica a senhora cometeu uma série de barbeiragens dignas de ter sua CNH suspensa (várias vezes...), ainda temos uma política externa respeitável. Com isso de “valorizar” os temas internacionais há um sério risco de cair numa armadilha. Um exemplo simples: ao ressaltar o acolhimento aos refugiados, pode ver dedos em riste por não ter tomado nenhuma posição (ou corrigido a ausência de opinião) com relação ao conflito na Síria, logo em seu início. Em 2014, Casarões publicou um belo artigo no qual lançava a ideia (subestimada por muitos no Brasil) de uma “crise de dissonância cognitiva” na política externa brasileira (Itaramaty’s Mission, publicado no Cairo Review of Global Affairs). O argumento, em linhas gerais, trata das divergências entre Dilma e seus diplomatas, que estaria levando a um declínio do papel do País no mundo. Um breve ajuste talvez seja esclarecedor, dado que a crise cognitiva atinge apenas a presidente, que ensimesma em seu mundo: o Brasil. E pode ser seu maior trunfo, sua solução, a tão sonhada narrativa para tirar o governo da areia movediça em que se meteu. Durante anos, Itamar Franco, FHC e Lula lutaram para fazer De Gaulle morder (postumamente) a língua por sua infame piada sobre o “país do futuro”. Então, antes que o mundo comece a sentir falta da voz do Brasil nos principais foros internacionais, dos conceitos que sabida e historicamente o País lança como pedras basilares de acordos multilaterais, e que dão o tom de vários dos regimes internacionais, seria interessante, presidente, reconhecer publicamente que o projeto político-econômico não deu certo, que é melhor jogá-lo fora e começar de novo. Qual melhor lugar do que a ONU para fazer isso? Ao afirmar que “Dilma está disposta a reaver o lugar do Brasil no mundo”, Casarões antevê com muito (reforço o tom do adjetivo) otimismo o papel inusitado que Dilma tentará representar na tribuna das Nações Unidas. Não é prudente reaver algo que não se tem... o downgrade de agosto mostra quão sólidas são as conquistas do Brasil no mundo. Reconhecer que fizemos muito é certamente benéfico, mas o seria ainda mais dizer que temos profundos problemas a resolver, mas que não abandonaremos os compromissos assumidos (mesmo que isso demore um pouco) - por favor, não pense na metáfora de ir comprar cigarros. Entendo, presidente, que o lado emocional seja algo importante neste momento. É digno de nota que no país da cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda, do “pensar com o coração”, poucos se dediquem a entender o papel das emoções na política - meu colega as chama cognição, o que dá quase no mesmo. Vejo uma mistura de raiva, depressão e teimosia em sua postura de não olhar para trás, bater a porta e dizer que tudo está bem. De fato, isso não demonstra maturidade emocional. Principalmente para o Estado. É plenamente compreensível que os fantasmas do passado a forcem a mostrar fibra em momentos difíceis, mas se mover em direção à resolução de cada um dos problemas não demonstraria fraqueza, ao contrário, um belo exemplo de liderança (o embaixador Sérgio Danese, secretário-geral do MRE tem um livro sobre diplomacia presidencial, vale consultar o capítulo sobre o papel interno e externo desse tipo de exercício). Dizer que o Brasil, forte e importante como uma emergente potência média, continua voando em céu de brigadeiro seria fatal, uma mentira deslavada. Colocar as crises brasileiras numa caixinha, com uma etiqueta de “assunto resolvido”, dizendo que “tudo está bem” ou “que foram as melhores escolhas que fizemos” é cultivar o autoengano - pode demonstrar força num primeiro momento, mas fatalmente funcionará como uma bomba-relógio sem ponteiros, isto é, um artefato capaz de explodir sem prévio aviso, causando grandes estragos à reputação, ao status, à imagem e pior, à autoestima do País. Permita-me ser didático: o ex-primeiro-ministro da Austrália, Tony Abbott, foi sacado do cargo na última semana sob o mote de “fim de um erro”. Presidente, o fim do erro brasileiro passa por uma postura transparente, de remover do cenário (rápido!) a sensação de caminhão sem freio, barrar a quase argentinização do Brasil. Sugiro, presidente, chegar ao púlpito da AGNU confiante, esquecendo o tom paroquial do último ano, bem como a versão durona. É mais simples e honesto passar em revista a grave situação do País e mostrar liderança. A senhora possui a seu dispor um dos melhores corpos diplomáticos do mundo, seria inteligente utilizá-lo neste momento. Lembre-se: é possível ganhar pontos fora, e com certeza, dentro de casa.* Fabrício H. CHAGAS BASTOS é Pesquisador do Australian National Centre for Latin American Studies da Australian National University. Doutor pela Universidade de São Paulo. E-mail: fabricio.chagasbastos@anu.edu.auN

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