Reconstruir durante o incêndio

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Por Jorge J. Okubaro
Atualização:

São cada vez mais evidentes os sinais de que se aproxima do desenlace a crise política e moral que imobiliza o País desde o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. É preciso ter claro, no entanto, que a solução da crise política, qualquer que seja, está longe, muito longe, de significar o fim das imensas dificuldades econômicas geradas pela paralisia administrativa do setor público federal, pelo descrédito dos agentes econômicos em relação às políticas públicas e pelo depauperamento de uma fatia expressiva da população que perdeu sua fonte de renda e de outra que viu sua renda real encolher.

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Se, encontrada a saída para a crise política que nos atormenta, um governo formado por pessoas competentes e responsáveis iniciar a execução das tarefas obviamente necessárias para romper a letargia que acomete a economia, um longo caminho ainda terá de ser percorrido antes de se poder divisar uma luz, um alívio, um sinal de melhora. Se, ao contrário, prevalecerem a inépcia e a defesa de interesses políticos mesquinhos, o que está ruim certamente piorará. Em nenhum caso, porém, o futuro imediato será fácil.

São árduas, politicamente custosas e administrativamente desesperançosas – pois seu preço social é alto e seus resultados, incertos e demorados – as primeiras providências que terá de tomar um governo comprometido com a recuperação da economia e a restauração da moralidade na gestão do bem público. Está mais do que claro que a transparência no uso do dinheiro do contribuinte é a exigência moral que excede todas as demais.

A dimensão da crise fiscal revelada pelos números divulgados na semana passada pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central, que mostram a rapidíssima deterioração das finanças do governo central, dá a dimensão e o sentido de urgência do ajuste que precisa ser feito pelo governo. Não parece haver dúvida de que tal ajuste implicará a adoção de medidas tanto pelo lado das despesas como das receitas. Já reduzidos na montagem do Orçamento da União para este ano, os gastos terão de ser ainda mais comprimidos.

Os investimentos, como ocorreu em outras crises financeiras do governo, já foram cortados até o limite do suportável. A necessidade de ajuste ainda mais forte acabará por colocar em discussão as chamadas despesas incomprimíveis, aquelas que por razões legais ou por decisões políticas do governo não podem ser cortadas. Entre elas estão os gastos com pessoal, com saúde e educação e o custo do desequilíbrio financeiro do sistema previdenciário. Mesmo estas terão de ser reduzidas, ainda que isso exija mudanças legais. Decerto haverá choros e ranger de dentes.

A demanda agregada, já anêmica, será ainda mais reduzida, o que tende a aprofundar a recessão. É nesse ambiente que a crise fiscal acabará impondo a necessidade de aumentar impostos, o que prejudicará ainda mais uma atividade econômica que definha e imporá custos ainda mais altos ao contribuinte que sente no bolso o peso da recessão. Provavelmente um governo com legitimidade e merecedor da confiança da sociedade obterá o consentimento político necessário para assim agir.

Se isso for feito com competência política e eficiência administrativa, aos poucos se alimentará a confiança dos investidores e dos consumidores, e a roda da economia começará a girar num ritmo cada vez mais intenso. Ainda que a um custo muito alto, a crise econômica poderá começar a ceder.

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Mas isso é apenas o começo. No plano político, é preciso criar ou fortalecer instituições que eliminem a necessidade de barganhas que impliquem, mais do que de cargos, a oferta de vantagens materiais variadas para a obtenção da maioria parlamentar necessária para a aprovação de medidas indispensáveis. Tantas vezes anunciada pelos governantes e dirigentes políticos como indispensável e urgente, não pode mais ser adiada a reforma política e eleitoral que permita a formação de maiorias estáveis e garanta condições para se governar sem ser necessário recorrer a métodos escusos.

Enquanto prevalecer o regime fiscal que impõe aumentos reais constantes de despesas com grande peso nos gastos totais do setor público, mesmo que a receita seja corroída pela recessão, não haverá gestão financeira capaz de evitar o surgimento ou o crescimento do déficit público quando a atividade econômica se reduz. Direitos, garantias, obrigações financeiras do governo e privilégios de diferentes naturezas inscritos na Constituição ou previstos na legislação infraconstitucional precisam ser revistos se se quiser alcançar o equilíbrio persistente das finanças do setor público.

Estruturalmente deficitário, o sistema previdenciário geral precisa ter suas regras reexaminadas para que seu desequilíbrio não se acentue, impondo custos adicionais aos contribuintes. Esta é uma questão de curto prazo. Há outra, de longo prazo, mas potencialmente ainda mais nociva para o equilíbrio financeiro do sistema. Trata-se da mudança do padrão demográfico do País, com o crescimento mais rápido do número de beneficiários do que o de contribuintes, que deixa clara a necessidade de se pensar desde já em estabelecer regras e mecanismos que evitem o colapso do sistema.

É preciso com urgência buscar mecanismos e meios que assegurem a recuperação da capacidade produtiva e da competitividade do setor industrial, sobretudo da indústria de transformação, que perdeu mercado e cujo peso na economia se reduziu drasticamente nos últimos anos. É a indústria que oferece os empregos de remuneração mais alta e contribui de maneira decisiva para assegurar ganhos de eficiência à economia nacional.

É preciso desde já pensar na formação de profissionais que atendam às novas demandas do mercado quando a economia brasileira voltar a crescer e começar a recuperar seu espaço no mercado mundial.

São algumas das necessidades imediatas que precisam ser atendidas durante o desenrolar da crise. É como ter de reconstruir enquanto o incêndio ainda se alastra.

*Jornalista, é autor de 'O Súdito (Banzai, Massateru!)', Ed. Terceiro Nome

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